Por bferreira

Rio - Qual a herança do período ditatorial (1964-85) no Brasil? Será que, com o regime democrático, iniciado com a Constituição de 1988 e as eleições diretas para presidente em 1989, conseguimos superar o autoritarismo e os abusos de poder característicos da ditadura? Sem dúvida, avanços na defesa do Estado de Direito foram dados desde então. Contudo, nestes 50 anos do golpe de 1964, importa reconhecer que, mesmo após a ‘redemocratização’, persistem no interior do Estado e da sociedade práticas e valores autoritários. Reconhecê-los e encará-los de frente é um passo necessário para fazer avançar a democracia brasileira.

Entre várias das heranças do autoritarismo, é muito comum lembrar a militarização da polícia, que faz da instituição PM uma máquina de repressão e violência. Destaco, porém, outra herança pouco falada e que também está a exigir mudanças a fim de expurgarmos o passado que tolhe a possibilidade de um Brasil justo e democrático.

Trata-se da relação privilegiada do Estado com os interesses do poder econômico. Se até o golpe de 1964 alguns governantes chegavam a ser chamados de ‘pais dos pobres’, depois com a ditadura o que tivemos foi um Estado ‘pai e mãe dos ricos’. A ditadura alimentou via arrocho salarial, endividamento externo e crédito barato os grandes tubarões da economia. A exemplo de Odebrecht, Camargo Correa, Andrade Gutierrez, Itaú, Bradesco/Vale, Safra, Gerdau, Grupo Ultra, Jereissati/La Fonte, Pão de Açúcar, Feffer/Suzano, Steinbruch/CSN, Ometto/Cosan, Votorantim, Perdigão/Sadia e Globo, que cresceram enormemente na ditadura e concentram hoje boa parte da riqueza gerada pelos brasileiros.

Com a ditadura, os governantes e burocratas não prestavam contas ao povo, ficando o caminho livre para os “homens de negócio”. Era muito comum órgãos estatais estabelecerem relações diretas e privilegiadas com os interesses do grande empresariado. O curioso é perceber que hoje, mesmo após a democratização, tais relações obscuras parecem persistir, pois não será outra a razão para que empresas públicas, como no caso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), permaneçam resistentes a abrir as informações sobre a aplicação de seus recursos bilionários, que são do povo brasileiro.

João Roberto Lopes Pinto é professor da Unirio e coordenador do Instituto Mais Democracia

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