Rio - A política de saúde brasileira não tem hoje, incontestavelmente, qualquer vínculo com o social. Prova de que o governo se distancia a cada dia dos cidadãos mais vulneráveis é a omissão frente a abusos dos planos de saúde contra pacientes, prestadores de serviços — entre eles, os médicos — e o próprio Estado de Direito.
Reza a Constituição que a saúde é dever do Estado e direito de todos. Sendo assim, no sistema suplementar, o mínimo seria esperar que as operadoras ressarcissem ao Erário os valores dos procedimentos realizados no SUS. São, apenas em internações, R$ 200 mil ao ano, com custo que chega a R$ 1 bilhão, fora as despesas ambulatoriais.
Diz a lei que esse dinheiro deve retornar à saúde pública, mas os planos se negam a pagar e recorrem à Justiça usando toda a sorte de estratagemas para escapar. A Agência Nacional de Saúde Suplementar, que pode ser considerada a voz do governo e do Ministério da Saúde, pouco faz.
As operadoras mercantilistas de planos de saúde, com a honrosa exceção das Unimeds, obtêm lucros estratosféricos, enquanto a população vê a Saúde Suplementar se transformar num arremedo de assistência. Pesquisa do Datafolha, encomendada pela Associação Paulista de Medicina, mostra que, mesmo pagando mensalidades altíssimas, usuários sofrem para ter acesso a consultas, internações, atendimento em pronto-socorro e autorização de exames.
De 2012 para 2013, subiu em 50% o número de pacientes com planos que foram obrigados a recorrer ao SUS em momentos agudos. Isso ocorre porque as empresas só buscam lucro e desprezam o caráter social da saúde. Eles captam mais e mais clientes diariamente, mas não investem na ampliação das redes credenciadas. Para piorar, pagam honorários ínfimos aos prestadores de serviços, inviabilizando consultórios, clínicas, hospitais e laboratórios.
Médicos, pacientes e demais profissionais de saúde são vítimas dessa engrenagem. Entretanto, em vez de defendê-los, alguns parlamentares parecem compactuar com as operadoras. Em 2013, com o apoio do governo, a Medida Provisória 619 livrou as empresas de cobrança milionária do PIS e Confins. Dias atrás, a Câmara também aprovou a redução de multas para planos que não cumprem suas obrigações legais com os usuários, o que na prática significa incentivar as restrições de cobertura.
Certo mesmo é que, tanto na rede pública quanto na suplementar, as pessoas mais vulneráveis estão expostas ao pior. Para o SUS, o governo convoca profissionais formados fora, sem exigir que comprovem capacitação e aptidão para a assistência, o que é um risco à saúde e à vida dos pacientes. Mantém política de subfinanciamento do setor público, o que redunda em mau atendimento, filas de meses para consultas e cirurgias, falta de leitos, doentes em macas jogados em hospitais sujos, desequipados, sem medicamentos nem profissionais.
O Brasil já decidiu, em 1988, que quer Saúde para todos, sem distinção de classe social e não apenas para aqueles que têm poder aquisitivo, com exclusão de milhões de assistência médica de qualidade. Não queremos o modelo americano, onde mais de 40 milhões de pessoas não conseguem assistência porque não podem pagar.
Diante de tal quadro, é importante a união de médicos, pacientes, profissionais de saúde e demais forças democráticas para dar um basta em tais absurdos. Um bom começo é replicar as informações, sensibilizar amigos, familiares, parlamentares e quem mais tenha princípio e honradez para perfilar nessa corrente do bem. Quando mais formos, mais cedo impulsionaremos as mudanças necessárias. A boa nova é que as eleições estão aí.
Renato Azevedo Júnior é diretor do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo