Por felipe.martins

Rio - Após 15 dias ao relento, os desalojados da prefeitura/Oi-Telerj foram finalmente abrigados num espaço digno, antes destinado aos peregrinos da Jornada Mundial da Juventude. Durante esses dias, quase 200 cariocas, quase todos analfabetos, mais de 50% crianças, adolescentes e idosos, muitos doentes e todos sem-teto, permaneceram no estacionamento da Catedral tomando chuva e sol.

Embora abandonados pelos governos municipal e estadual, foram o tempo todo acolhidos pela caridade cristã do clero e dos fiéis que para lá acorreram com alimentos, roupas e apoio espiritual e psicológico. O cardeal Orani conclamou toda a população para buscar soluções dignas e formou uma comissão mista que nunca foi atendida pelos responsáveis por esse abandono: o prefeito e o governador.

O Judiciário, sempre lento em suas decisões, foi rápido no atendimento dos interesses de uma poderosa empresa de telefonia, que tanto trabalho tem dado aos juízes por seu habitual desserviço à população. A prefeitura e o estado apresentaram-se para executar a ordem judicial com seu mais desrespeitoso aparato policial, colocando toda a violência no desalojamento dos sem-teto, mas se omitiram quando chamados pelo cardeal para um diálogo respeitoso.

Diante da ausência de respeito ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o povo violentado foi bater na porta do bispo. Este não só os acolheu como também se dignou a fazer uma mediação na busca da solução que respeitasse o direito à habitação sem violência. Em plena Semana Santa, os palácios se fecharam, e os detentores do pode lavaram as mãos.

O cardeal, como bom pastor que é, colocou-se do lado dos mais necessitados, e, enfrentando as críticas daqueles que combatem aqueles que clamam por respeito aos seus direitos, criminalizando-os, ofereceu aos desalojados do governo oito opções com dignidade, sob o manto protecional da Igreja, para que ocupem até que os responsáveis por essa violência se dignem a cumprir sua obrigação de dar alojamentos dignos ao povo sem teto.

Em amplo diálogo com os desalojados, não faltou o enfrentamento aos anarcopunks, que apostavam na política do quanto pior melhor, tentando influenciar nas negociações, dificultando-as ao máximo. Mas é preciso que, num regime democrático, todas as opiniões sejam enfrentadas e debatidas com diálogo, e não com a violência, linguagem utilizada pelos governantes sempre que alguém se rebela contra a opressão.

Final feliz. Por enquanto, no domingo em que a liturgia cristã identifica Cristo por sua forma de partilhar o pão, a Igreja soube partilhar com os menos favorecidos um de seus espaços, respeitando a dignidade da pessoa humana e praticando a caridade cristã.


Siro Darlan é desembargador do TJ e membro da Associação Juízes para a Democracia

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