Por bferreira

Rio - A realidade humana, no dia a dia, tem certas repetições. São as defesas que articulamos, sem muita consciência do que estamos fazendo, para nos protegermos na vida. Somos intimamente frágeis. E algumas dessas defesas são bastante praticadas, entram em ação diante do menor sinal de insegurança.

Acabamos reagindo, atacando antes mesmo de algum episódio acontecer. Agimos por antecipação até mesmo frente a situações simples e banais, que interpretamos como ameaçadoras. Farejamos o perigo e o grau de ameaça dele. Na maioria dos casos, é inversamente proporcional ao risco apresentado. E erramos, sempre dimensionamos muito mais. Vivemos na defensiva, tensos. A vida é arriscada e perigosa de antemão.

Outra modalidade repetitiva é a construção inconsciente de amarras inventadas por nós para não fazer a vida acontecer, mesmo quando surgem oportunidades tentadoras e desejadas. Sentimos medo do novo, do diferente. Queremos a novidade, mas a tememos. Ela é desconhecida. Contraditoriamente, vamos nos dando conta de que é com dificuldade que saímos de situações de sofrimento, porque nos apegamos à dor. Deveria ser o contrário, não? Mas não é, sofrer é lugar-comum, conhecido. Prazer? Bem-estar em usufruir a vida? É um território estranho, até assustador.

Nos relacionamentos afetivos, acabamos naqueles jogos sujos, provocando ciúmes desnecessários para desestabilizar o outro. Mediamos o amor, a boa entrega afetiva. Alguns de nós mantêm os parceiros a uma certa distância — nem tão longe, nem tão perto, próximo apenas. Inventamos tramoias, tudo por medo de amar. O amor é perigoso, é sempre ideal quando distante, e acabamos não acreditando nele quando acontece. Sofremos do medo de amar.

Outro aspecto dos relacionamentos, no nosso encontro com o outro no mundo, se revela naquela necessidade veemente de a todos agradar e ajudar. Nem sempre é bondade. Pode ser a velha mania de tudo e a todos controlar para nos sentirmos seguros. Quem francamente a todos ajuda não se dá conta de que está mesmo é precisando dela, necessitando ser ajudado e protegido. Parece contraditório, até é, mas vivemos assim. A realidade humana constrói as maiores defesas possíveis para se proteger.

Morremos de medo da felicidade, ela é desejada, porém perigosa. É como o prazer, bom, mas meio que proibido, raro. Vivemos um tremendo medo de ser feliz e de gozar a vida, tímidos nessa vivência. Desejar a felicidade se torna menos arriscado que vivê-la. Na mesma sequência, o melhor da festa é esperar por ela. Claro que depois que começa, acaba. A felicidade também passa por esse risco quando chega. Assim, parece melhor esperar do que vivê-la. Nessa movimentação, vamos embarreirando sua chegada, e ela nem chega, nem acaba e não se concretiza, acaba no plano do desejo. Afinal, o que precisamos mesmo — e o que falta — é coragem para ser feliz.

Fernando Scarpa é psicanalista

Você pode gostar