Por bferreira
Rio - Desde que o espírito de Natal se transferiu das igrejas e das casas para os shopping centers, a celebração perdeu a graça. Hoje, confraternização só mesmo entre os compradores e os vendedores, mesmo assim quando as taxas do cartão de crédito permitem. Nem sei se o tal clima de irmandade, tão decantado por essa época, realmente existiu um dia ou sempre foi uma ilusão, como Papai Noel.
Resta o reencontro de parentes em torno do peru, chester e do vinho. Isso é ótimo. O problema é correr o risco de tirar aquele primo chato no amigo oculto ou que a tia saudosista resolva resgatar do esquecimento a cabeluda cantora Simone e faça ecoar na sala o CD baixo-astral com aquele temido refrão: “Então é Nataaaal...”
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Manter as tradições é algo saudável. Recomenda-se, no entanto, de tempos em tempos, uma atualização dos rituais. O figurino do Bom Velhinho é um exemplo disso. Já passou da hora de ser aliviado daquela roupa pesada, o gorro e as botas. Não basta o saco pesado? No Verão do Rio, bermuda, camiseta e um par de chinelos não diminuiriam em nada a respeitabilidade do barbudo. Pelo contrário — qualquer um pode duvidar da sanidade mental de alguém que circula com a tal roupa vermelha calorenta sob os 46 graus dessa temporada.
Se Noel e seus admiradores precisarem de inspiração para dar uma repaginada nas comemorações do Natal, sugiro uma visita a um recanto da Lapa, onde o tal espírito natalino foi suplantado pelo espírito carioca. Ali, no simpático bar Vaca Atolada, a celebração é completamente diferente.
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Para começar, o principal item de decoração da festa é uma árvore de Natal etílica. Não se trata de um pinheiro, mas um pé de boldo, ornado com caixas de remédios hepáticos, no lugar daquelas bolas coloridas e brilhantes. Tudo porque ali é feita uma ceia alcoólica, este ano marcada para próxima terça-feira.
Que a ideia do simpático Claudio Cruz, dono do boteco, não escandalize os puristas. Na festa, repetida há alguns anos e embalada por sambas de qualidade, os amigos se abraçam e os recém-chegados se tornam rapidamente velhos conhecidos. Ali resiste o verdadeiro espírito de fraternidade e o Natal ganha um jeitão alegre de Carnaval.
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Francisco Alves é jornalista do DIA