Por felipe.martins, felipe.martins
Rio - Em 1914, o conde Affonso Celso lançou um livro que você não leu nem ouviu falar de alguém que tenha lido: “Por que me ufano do meu país”. Mas o título será lembrado para sempre. O conde enumera os motivos do seu ufanismo: a grandeza territorial, as riquezas, as incomparáveis belezas naturais, a boa índole do povo, clima ameno e ausência de vulcões, furacões, maremotos e outros cataclismas. Nas nossas florestas (as maiores do mundo) não tem feras como leões, crocodilos, leopardos e matilhas de lobos, sem falar em chacais, rinocerontes e gorilas. No máximo, onças modorrentas depois de almoçar uma capivara.
Não há desigualdade racial. Pretos, brancos e mestiços vivem em harmonia, todos têm as mesmas oportunidades. Um Brasil que nunca perdeu uma guerra nem foi humilhado por outro povo (disse isso quase cem anos antes do jogo Alemanha 7, Brasil 1). Essa visão de um país-maravilha, cujo pendão a brisa do Brasil beija e balança (sempre achei esses versos meio pornôs), do deslumbrado conde deu frutos como sonetos de Bilac e os sambas-exaltação de Ary Barroso. Ele afirmava que os políticos costumam deixar o poder mais pobres do que nele entraram (risos): “Magistrados subalternos e mal remunerados sustentam terríveis lutas obscuras em prol da Justiça, contra potentados locais. Casos de venalidade são raríssimos (risos), geralmente profligados (punidos). Quase todos os políticos brasileiros legam a miséria às suas famílias (risos incontidos). Qual o que já se locupletou à custa dos bens públicos?” (risos convulsivos).
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Palavras textuais do conde Affonso Celso, que exerceu quatro mandatos na Câmara e no Senado. E foi, entre outros feitos notáveis, um dos fundadores da ABL. Em 1962 Millôr escreveu uma peça com o mesmo título. Certamente imaginando — como eu — que “Por que me ufano do meu país” era uma expressão de domínio público. Os herdeiros ameaçaram processá-lo.Com a palavra, Millôr: “Minha peça passará, de hoje em diante, a se denominar ‘Um elefante no caos’. Desde já proíbo aos herdeiros e legatários do conde que mudem para ‘Um elefante no caos’ o ‘Por que me ufano do meu país’ lá deles.” Obviamente os herdeiros não sacaram que nosso maior humorista estava de gozação. Estou certo de que o conde (que era um homem de bem), se vivo fosse, depois de ler o noticiário sobre as fraudes de bilhões de dólares do Mensalão e do Rouboduto, mudaria o título do livro para ‘Por que me desufano do meu país’. E pensar que a minha geração levou tanta bordoada durante a campanha do Petróleo é Nosso.