Por thiago.antunes
Rio - Todo verão no Brasil fica marcado: no Rio já tivemos o Verão da Lata, quando um navio com 22 toneladas de maconha enlatada, descoberto pela polícia, despejou a carga em alto-mar, inundando as praias do Sudeste com o produto, que passou a ser recolhido na costa pela Marinha, pela polícia e por usuários. Já tivemos o Verão do Topless e o Verão do Apito. O deste ano se caracteriza pela falta d’água e pelas manifestações excludentes.
Mineiro que sou, não consigo compartilhar com cariocas a sensação que tive ao ver o mar pela primeira vez, na infância. A pergunta que fiz ao meu pai pode parecer risível, mas expressa o assombro diante do novo: “Qual a distância até o outro lado?” Flávio Venturini, mineiro do Clube da Esquina, na música ‘Todo azul do mar’, nos dá dimensão de tal ocorrência quando canta: “Foi assim, como ver o mar, a primeira vez que meus olhos se viram no seu olhar.”
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No Rio se propôs, ainda que por poucas horas, a cobrança de entrada para as praias, e no Espírito Santo um prefeito reclamou dos turistas que gastam pouco dinheiro lá. No Brasil-Colônia e no Império, as praias não despertavam interesse, tanto que as construções à beira-mar eram edificadas de costas para a orla e de frente para a montanha. O Palácio do Catete, com fundos para a Praia do Flamengo, é o melhor exemplo na nossa cidade.
O cerne da controvérsia não é o apossamento das praias pelo povo, porque a ele pertence, mas como convivermos com pessoas cujos gostos, formas de prazer e classe não sejam os nossos; como promover inclusão social e convivência respeitosa na diversidade.
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Assim como o futebol, de onde estão sendo afastados os trabalhadores, o turismo também tem origem com esta classe social. ‘Lazer’ é vocábulo com a mesma origem da palavra ‘lícito’. Lazer é o ócio lícito; é o ócio após o trabalho. O turismo tem origem na Inglaterra e se relaciona ao descanso semanal remunerado dos trabalhadores, conquistado após a Revolução Industrial. Para o vilarejo de Blackpool, na costa do Mar da Irlanda, próximo ao Lago Negro, missionários levavam trabalhadores com suas famílias na folga semanal a fim de evitar que se metessem em bebedeiras ou confusões.
A aldeia cresceu desde o século 18, quando iniciaram os passeios dos trabalhadores levados pelos religiosos, e sua história remete à inclusão social e ao reconhecimento do direito ao lazer coletivo. A exclusividade pode ser aproveitada em propriedades particulares, resorts ou clubes. O sol e a praia são de todos. Mais que ir à praia, as populações que moram fora da orla, seja no subúrbio ou no interior, tomam banho de mar, num deleite deste meio democrático e barato de prazer que a natureza nos oferece.
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João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito
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