Rio - A semana passada acordou assaltada. A máxima “vida de bandido é curta” se estendeu a nós, vítimas da pena de morte decretada por eles. A existência está roubada, somos os assaltados do contemporâneo via Estado, bandidagem e violência. É a ânsia do dinheiro fácil do assalto da hora — e do aumento vil dos impostos. A segurança do povo não traz lucro. As políticas visam a uma arrecadação que se reveste em fundo para a corrupção. A vida da nação e a do cidadão valem pouco, um descaso humano. Mata-se pela gratuidade do impulso. Às vezes, movido a droga. Afinal, a vida está uma droga, não é mesmo?
Se a vida de assaltante é curta, sem valor, não há como se indignar com a impiedade com que ele, na faca ou com o dedo no gatilho, determina o dia da nossa morte. Bom senso? Não há, mata-se sem levar ou levando. Isso tudo é normal para eles: família, filhos, netos, os que choram a partida dos seus é lugar-comum, vivência banal. Os deles já se foram. Alguns nascem órfãos, sem avós, irmãos... O conceito de família, de lar, está perdido ou distante. Os laços se perderam ou nunca existiram. A morte chegou cedo. Cruel, mas acontece, não é raro. Somos todos reféns.
A cidade está esvaziada. Crise política, aumento de impostos e a desfaçatez das declarações dos governantes. Eles apenas lamentam os ocorridos e propõem medidas paliativas. Tudo paralisa o desejo de consumo, empobrecendo a vida. É tempo de recolhimento. Praticar esportes ao ar livre e transitar pela cidade se tornou perigoso. Na busca de saúde, lazer e trabalho, encontra-se a morte: paradoxo impensável. Sugerir soluções é para quem entende do assunto. No entanto, enquanto não tivermos investimento nessas áreas, só nos restará a precária solução da repressão temporária que garante a sucessão de outras mortes a que ainda assistiremos.
Penso em visitar e especular o imaginário de cada um de nós, sobreviventes desses tempos. Somos obrigados a refletir sobre o valor da vida e a finitude: o risco é iminente. A existência? Banal. Conviver com a possibilidade de sair de casa e não voltar produz um novo modo de vida. As imagens a que assistimos doem. A famosa luz no fim do túnel, creio, vai levar séculos para aparecer. A política vigente de tapar buracos e pôr cadeado na casa depois de arrombada não resolve. Acredita no contrário?
Fernando Scarpa é psicanalista