Por bferreira

Rio - Enquanto digito a crônica, curto a vista da minha janela no Leblon: um naco de céu espremido entre o edifício da Telerj, o prédio ao lado e, ao fundo, o Morro Dois Irmãos. O céu azula que só de Rayban; a luz, como diria Chico Buarque, arromba a retina. Sem um fiapo de nuvem, azul-porcelana. É maio em agosto. Como é mesmo aquele verso de Mallarmé que eu sabia de cor aos 18 anos ? “De l’eternel azur la sereine ironie accable” (azul é um azul que só poetas enxergam). Ele se referia, é claro, ao céu de Paris, que o deixava deprê. É covardia compará-lo com o esplendor que vejo da janela.

Na sua crônica de segunda-feira passada na ‘Folha de S. Paulo’, Álvaro Costa e Silva cita a frase de Francis Bacon, que foi amigo de Dom Pedro II, ao dar de cara com a Baía de Guanabara: “Deve ser apreciada em trajes de gala. É mais encantadora repousando sob o rico dossel etéreo, esmaltado por uma atmosfera diáfana que empresta à distância doces e estranhas suavidades.” E aproveito para saudar o jovem (53 anos) cronista que agora reveza com os pesos-pesados Cony e Ruy Castro na página 2 da ‘Folha’. Conheci o Marechal, como é chamado, nos anos 80, no Lamas.

A intelligentzia carioca bombava no bar nos fins de noite. Tinha fila na porta, mas a gente furava com a cumplicidade dos garçons, que seguravam a mesa. Há anos deixei de frequentar, mesmo antes de parar de beber. Velhice chegando, medo de assalto etc. Nós o chamávamos de Marechal, obviamente, pelo sobrenome igual ao do ditador, digo, presidente da República eleito indiretamente com 294 votos. Tinha 30 anos a menos que a média de idade dos habituês da nossa mesa; nunca ninguém pensou em mandar o guri de 23 anos procurar a sua turma. O título da crônica de que falei acima é camoniano: ‘Dossel Etéreo’. Trocadilho é um dos grandes perigos da escrita. Mas o Marechal, perdão, o audaz cronista da ‘Folha’ garimpou na mina de Camões e se deu bem. Dossel, do céu. Do cacete.

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