Por bferreira

Rio - Um telefonema me faz salivar: “Moa, ‘tô’ aqui servindo uns bolinhos de bacalhau feitos na casa... Sim, Aqui no Paladino! Apareça!” Convite aceito, ainda escuto o forte sotaque vascaíno encerrando a ligação. Ricardo é o dono há 40 anos desse antológico bar fincado no fim da Rua Uruguaiana. Mobília original no arco que separa os dois ambientes do salão, é reconhecido pelo sanduíche triplo e omeletes que intimidam o alto colesterol com tanto sabor. Vitrine clássica, pode ser considerado um pequeno armazém com seus queijos do reino, folhas do peixe salgado, vinhos e diferentes destilados, ginjas, genebras, vermutes e anis estrelado.

Me chama atenção um detalhe raro de se ver, o dono na caixa registradora. Sei que no subúrbio a cena é frequente. Além de proprietário, o sujeito é garçom, cumim, faxineiro e às vezes ainda entrega a domicílio, sim, ele mesmo. A esposa estende seus dons culinários à vizinhança, carne assada e cozido, enquanto o filho se debruça sobre o dever de casa na última mesa, perto dos engradados.

Entende-se o mau humor constante.

Voltando ao centro da cidade, estico a visita. Dobrando a Miguel Couto, rua em fatias; dois monumentos, um de fé, o outro, gastronômico: a antiga Igreja de Santa Rita de Cássia e o Restaurante Málaga. Eu cismava que a santa nascida na Itália fosse padroeira dos estivadores. Rita, me perdoe a intimidade, protege as mulheres que sofrem com os maridos violentos. Um empenho que me emociona.

O Málaga tem uma porta de correr. O vidro fumê nubla a vista dos passantes à nobreza da sua cozinha. Nesses dias de inverno o leitão anda fixo no cardápio. Sou um privilegiado. O dono, seu Augusto, rodando as mesas sugerindo as muitas especialidades, me traz de entrada um polvo finalizado com azeite e páprica. Augusto senta comigo. Falo da paróquia em frente e ele me diz que estamos sentados no ‘terreno’ do campanário, o último inquilino. A região foi colônia alemã no início do século 20, o que justifica, até poucos anos, a existência de tantos bares germânicos. Cheguei a traçar um ‘labskau’ nas redondezas. E ‘que beleza!’ a Rua Teófilo Otoni já foi chamada de Rua das Violas. Afrouxei minhas cordas com a inocência do nome. O chefe espera o fim das obras e aposta na revitalização desta área cercada de referência de uma época fundamental pra se reconhecer a genética carioca.

Ainda mordi três sardinhas no conhecido beco dos bebuns e fanáticos, como eu, dessa iguaria dos mares. Se não fosse o defeso protegendo a espécie nasceriam escamas nas minhas costas.

Paladino e Málaga resistem feito os golfinhos da Baía de Guanabara, as cotias do Campo de Santana, a capivara da Lagoa Rodrigo de Freitas. Um dia, somem na poeira, saem do mapa e não há jumento ou Domingo de Ramos que ressuscite essas vidas.

E-mail: moaluz@ig.com.br

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