Por bferreira

Rio - Nunca encarei o futebol como mero espetáculo, brincadeira, jogo ou guerra; ele pode ser tudo isso e muito mais. Futebol no Brasil é cultura, faz parte de um campo de elaboração de símbolos, projeções de vida, construção de laços de coesão social, afirmação identitária e tensão criadora. Nossas maneiras de jogar bola e assistir aos jogos dizem muito sobre as contradições, violências, alegrias, tragédias, festas e dores que nos constituíram. A mesmíssima coisa vale para a cultura dos botequins e das escolas de samba. O problema é que não ando vendo muitas razões para otimismos.

O processo de falência do futebol e do botequim como cultura reduz o jogo e a ida ao bar aos patamares de meros eventos; para delírio das caravanas que parecem percorrer os bares com a curiosidade dos antigos imperialistas em incursões civilizadoras e dos espectadores que ficam fazendo selfies em estádios de futebol enquanto a bola rola. Me espanta ainda como isso se reflete no vocabulário, que perde as características peculiares do torcedor e do bebum (o correto agora é chamar de “butequeiro”) e se adequa ao padrão aparentemente neutro do jargão empresarial.

O craque se transforma em “jogador diferenciado”, o reserva é a “peça de reposição”, o passe vira “assistência”, o campo é a “arena multiúso”, e o torcedor é o “espectador”. Ir ao bar virou “butecar” e agora temos “lascas”, “reduções”, “camas de rúcula”, “confit”, “toques cítricos” e outros salamaleques semânticos, que os velhos frequentadores de biroscas jamais saberão do que se trata. Ando agora sabendo dos food-trucks. Por enquanto é mais uma novidade que me parece com cheiro de truque matreiro de intervenção nas ruas, com recorte higienizador. Em última análise, essas novidades se sustentam em discursos de ordenação urbana que, normalmente, desconsideram articulações locais. Oxalá eu esteja errado.

Eu fico na minha. Sedimentei a alma suburbana, alumbrada pelos contornos da cidade e regada pelas ampolas geladas feito cu de foca. Sinto-me hoje tão distante das mesuras elegantes dos sofisticados, da maneira descolada dos meninos e meninas da tal de carioquice, quanto um pinguim pode se sentir distante do verão de Teresina. Só para constar: falo de um subúrbio carioca que não é geografia. Ele pode estar no Cachambi e em Ipanema.

A minha pátria é um gole de cerveja para comemorar um gol; coisas capazes de aconchegar um homem no seu quinhão de mundo; aquele que lhe é pertencimento. Eu só não quero me sentir exilado na minha própria aldeia.

E-mail: luizantoniosimas67@gmail.com

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