Por felipe.martins

Rio - Vou passando pela rua de serviço da Cidade do Rock, acompanhando a equipe de produção e filmagem, a alegre trupe de amigos que montam o circo do quadro É Rock do RJTV. Não há o glamour que está logo ali, depois do muro que esconde o trânsito tenso dos bastidores, os que correm para fazer o glamour acontecer. Gente carregando cabos na penumbra, máquinas sugando banheiros químicos, milhões de faxineiros e atendentes de lanchonete descansando do turno de horas em pé. É lindo ver o esforço de vans, caminhões, todos tentando chegar na hora certa, no último minuto em algum lugar que desesperadamente deles precisam.

E quando sigo, vou repetindo em mantra “Boa noite, bom serviço!”, “Olá, tudo bem, bom trabalho!”, e vou acordando gente que está de olho aberto mas está em transe, cansadérrimos. Aquilo é um sonho e a área de serviço é onírico ambiente, porque estamos dentro da festa, o som das estrelas e o clarão da luz sobem logo ali; e estamos fora dela, mas atrelados a ela e momentaneamente no limbo da sonoplastia de serviço, motores, freios, marteladas, cheiros de fritura, tudo isso que o grande público pagante não tem acesso.

Vou cumprimentando eles, para não esquecer de mim: estou falando comigo mesmo, vendo o cara que eu era há 30 anos quando eu era um deles, serviçais. E a música dos Scorpions volta, e consigo sentir o que intuí quando Nina Hagen estava no palco cantando Cosma Shiva. Eu também tenho o muro separador dentro da alma, sei da área de serviço que em mim está, e agora iluminado por leds, estou na mesma fronteira que junta cena e a culchia.

No “gravando” pulo pro lado de lá, e sou todo alegria, com esta esperança de Poliana que me move para o plano astral da celebração, porque meus semelhantes formam a corrente fraternal que quero e acredito. Passo pela porta voltando para o QG e reencontro quem fui, e quem isto vê é quem sou hoje, agora. Indivisível e parturido ao mesmo tempo, íntegro e estilhaçado, vivenciador dos dois encantamentos, luz e sombra.

Procuro nos olhos dos trabalhadores os olhos de meus 23 anos, bicha magrinha recém-chegada de pau de arara, mas já um Elton John de sonhos. Já usando a calça colante de lycra branca do Mercury, a quem lavar panelas não definia nada, porque água e sabão areiam os objetos, mas minha vontade e perseverança seriam/era irremovível. Me busco na horda de trabalhadores. 

Daqui a 30 anos, qual deles estará andando rumo às gravações? Azar e sorte, persistência e abandono, todos nós num só abraço de que viver é misterioso e enquanto a partida estiver em curso, nenhum final decidido está. Parada, a roleta é separada em tiras de cores e números. Rodando tudo embola e vira uma luz branca. Saibam que ainda estão rolando os dados.

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