Por thiago.antunes

Rio - Parece que estão todos acometidos de nomofobia, essa permanente dependência do celular, também qualificada de atenção parcial contínua. Há quem não consiga desligá-lo nem na hora de dormir. E, ao longo do dia, muitos são movidos pela hipnose provocada por suas emissões.

Nossos olhos não perdem o celular de vista: no ônibus, na rua, ao dirigir o carro, durante a refeição, em plena reunião de trabalho. Ficamos o tempo todo conectados, atentos aos e-mails, ao Twitter, ao Facebook e a tantos outros recursos dessa era do Homo digitalis.

“Por que tanta dependência do celular?”, indaguei de um grupo que se reúne para meditar. As respostas variaram: “Carência”, disse um. “Curiosidade”, sugeriu outro. “Temos dificuldade de manter vínculos reais e, na falta deles, apelamos aos virtuais”, opinou um terceiro. Houve quem considerasse onipotência: “Trago o mundo em mãos e, com um simples toque, capto textos, notícias e imagens e divulgo ideias e opiniões em tempo real.”

O celular se tornou a janela indiscreta por excelência. O buraco da fechadura, agora dilatado. Protegidos pela distância física e pelo anonimato, usuários aproveitam para ridicularizar desafetos, xingar políticos, tornar o sério leviano e o leviano ofensa. Propus ao grupo um fim de semana de abstinência de celular, todos desligados. No início, uma experiência sofrida. “E se minha filha ligar?” “Hoje é aniversário de meu afilhado, e fico sem cumprimentá-lo?”

Meditar é mergulhar na impermanência. O celular se transformou em espelho de nossa alma. De simples telefone portátil, tornou-se um artefato de mil e uma utilidades... não necessariamente úteis. O acesso define o perfil do usuário. Se tem mente depravada, busca pornografia. O rancoroso prefere imagens de desconstrução de políticos. O invejoso, o mundo das celebridades. O curioso garimpa o que rola nas redes sociais.

A abstinência, dolorosa no início, foi tida como profundamente prazerosa no fim do domingo. Curtiu-se o silêncio digital. O espírito se descolou, enfim, do grude eletrônico. O distanciamento favoreceu o discernimento crítico. Uma funcionária pública exclamou: “Enfim, juntei meus cacos!” Um estudante de Engenharia admitiu: “Me libertei da coleira eletrônica!” O grupo concluiu que a dependência do celular suga-nos a alma e o tempo. Abster-se dele por horas ou períodos é um ato de sabedoria pós-moderna. E favorece a saúde da mente e do bolso.

Frei Betto é autor do romance ‘Minas do ouro’ (Rocco)

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