No salão, a expectativa de voltar à elite dessa passarela acende nos olhos de cada componente
Por bferreira
Rio - Escrevo a coluna em causa própria. A música é o meu melhor remédio. Dias passados, participei da festa de lançamento do CD com as músicas dos sambas de enredo da Série A para o Carnaval de 2016.
Vários parênteses: a efeméride aconteceu no prédio da Ação da Cidadania, arredores de Gamboa, Saúde, Praça Mauá. Tijolo a tijolo, restaurados, teto que, por pouco, não encosta no céu, vigas gigantescas e uma sensação volátil de país civilizado. As obras no entorno estão no limite do acabamento. Em frente, uma praça resguarda parte antiga da cidade descoberta entre escombros, feito uma coluna romana aos pés do Coliseu.
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Mas, como diria Walter Alfaiate, “o Magnata Supremo da Elegância Moderna”, vamos ao “bufê”. Nos portões da entrada, uma multidão de passistas, ritmistas e seus diretores aguarda o seu momento Momo, o rei desse congado. Ali está o extrato do Rio de Janeiro, diferentes comunidades, cores e brasões, unidos por essa tradição carioca, as escolas de sambas.
É o meu terceiro ano como compositor da Renascer de Jacarepaguá, mas a admiração por todas as outras agremiações é indisfarçável. Suas rainhas de bateria têm a beleza da espontaneidade. Fantasias costuradas com um brilho de lágrimas, pernas torneadas no trem e um quadril de nublar qualquer princesa de Kent no Itamaraty. Tudo contagia.
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Sento ao lado da Alegria da Zona Sul. Mais encostado, a história do samba, o Império Serrano. Perto, meu parceiro Gustavo Clarão defendendo a bandeira da Viradouro. E assim, divididos no salão, a expectativa de voltar à elite dessa passarela, ser destaque nas Fatos & Fotos dos dias atuais imitando o dedo em riste sob as platinelas do Mestre Carlinhos Pandeiro de Ouro, acende nos olhos de cada componente.
A mulata tem mais dentes que a anatomia humana. O intérprete herda o bastão do passado, Luizito, Jurandir, Aroldo Melodia, todos da tribo Jamelão. Eu rodo procurando as baianas. A minha escola traz Cosme e Damião no enredo, e, elas, as baianas, lindas de vermelho e amarelo, distribuem doces. Vi poucos reluzentes cordões. A Comissão de Frente da Série A permanece velha guarda, surdos de primeira, conduzindo a escola ao desfile principal. Nós, aprendizes de Silas de Oliveira, aquarelas suburbanas, versos em meia-sola, vamos empurrando os quatro carros alegóricos que atravessam o percurso.
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As matizes dos padrinhos, o aperto de mão, o riso incontido em cada “dez” dos jurados, tudo cardíaco porque vem chegando o carnaval, o calor no coração. Coisas da vida.