Por felipe.martins

Rio - O Brasil parece se desmilinguir numa crise dramática. No meio do teatro de horrores, um menino me perguntou, desalentado, se alguma coisa presta por aqui e se consigo sentir algum amor pela tal pátria que sangra. E eu, pouco afeito aos hinos, bandeiras e heróis, aquilo que classicamente representaria a pátria, disse ao menino que sim, há um Brasil bonito.

Mas este meu país, menino, não tremula em mastros ou se manifesta em discursos grandiloquentes dos que dominam cinco línguas. Ele apenas é o que me arrepia, pinga de luz incerta a escuridão do mundo e vive no chão em que piso, na língua que falo e na canção que ouço.

A verdade, menino assustado, é que tenho um caso de amor pelo meu chão modesto e pela gente miúda como eu. A minha razão é internacionalista; mas meu coração balança numa redinha da terra da minha avó, nos cafundós das Alagoas. Nos meus ouvidos murmuram as jaculatórias das benzedeiras e as sassanhas da ervas maceradas de Ossain, o Katendê dos congos, senhor das Jinsaba; folhas sagradas que me banham e me acalmam.

Eu sei apenas que o encanto com os ijexás, o assombro com os transes dos caboclos e as mãos calejadas que seguram a corda do Círio de Nazaré, as mesmas mãos calejadas pelo couro do tambor que chama o povo de Aruanda, produzem em mim a sensação de pertencimento que nenhum bandido engravatado, de cabelo grotescamente tingido de acaju, há de tirar.

Meu Brasil é o naipe de agogôs do Império, o sax fraseando Pixinguinha e o baque dos tambores misteriosos. Ele vem de Morená, morada do sol e da lua, e vive no adarrum arrepiando para que Ogum dome com seu alfanje, coberto pelo mariô, o dragão da maldade. Vez por outra desconfio que este Brasil já era. Basta, todavia, uma canção praieira de Caymmi para que se restaure em mim a crença na vida. Basta Luiz Gonzaga para que a beleza intangível do fole de Lua me reconcilie com o Espírito do Homem, aquele que parece perdido na noite sem fim.

A minha pátria, bem distante do patriotismo tonto, que Samuel Johnson definiu como último refúgio dos canalhas, é o delírio que me conforta. É aquela que ilumina meus olhos, rega meu peito e acaricia as minhas palavras, para que eu conte as histórias que ouvi do meu avô ao meu filho, no contínuo descortinar da vida; arte maior de tremer o chão sagrado e reverenciar o mistério intuído dos ancestrais.A nossa pátria, menino, minha e tua, e por ela vale lutar, é Candeia chamando o Dia de Graça. Esse Brasil há de nos aconchegar nas noites mais frias.

E-mail: luizantoniosimas67@gmail.com

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