Rio - Eu devia ter desconfiado quando o secretário estadual de Trasportes, Júlio Lopes, saiu de fininho antes do que seria o passeio inaugural da 'Boa Viagem'. A embarcação de nome sugestivo - que lembro dos meus tempos de estudante niteroiense - foi construída em 1981 e totalmente reformada pela CCR para entrar em operação até as chinesas chegarem. Por que escrevi 'seria o passeio inaugural'? Porque o tour pela Baía não aconteceu por "problemas operacionais". Juro.
Estava feliz pela chance de fazer o passeio exclusivo para convidados da CCR, mas com certa má vontade em relação à pauta, pensando: "É isso, mesmo? Os caras pegam uma barca dos meus tempos de guria, reformam e acham que isso tem alguma chance de dar certo?"
Mas os R$ 2,5 milhões gastos na reforma da 'Boa Viagem' - que tem 2 mil lugares - acabaram me impressionando. Também me encantaram, devo admitir, aqueles bancos novinhos, pintadinhos, no lugar daquelas velhas cadeiras de madeira que minha coluna ainda tem na memória. Me encantaram tanto que acabei desistindo de procurar defeito pelos cantos da barca.
Fui no comandante, Leny Pereira da Cruz, 74 anos, 52 de travessia Rio-Niterói, e perguntei o óbvio: "O sr. já pilotou a 'Boa Viagem' antes da reforma?"
"Sim, sim... E é problema. A 'Boa Viagem' é problema... Tem um giro muito lento...", disse o bom comandante, num surto de franqueza. Imediatamente, um assessor da CCR 'corrigiu': "Ele não quis dizer 'problema'..." E o comandante tentou: "Problema antes. Agora, ela está mais moderna..." Sei.
Com medo de esticar a conversa, e o pobre homem acabar perdendo o emprego, fui no presidente da CCR Barcas, Márcio Roberto de Moraes. Outra pergunta óbvia: "O sr. não acha que fica difícil explicar aos passageiros que vocês estão colocando em operação uma barca de 32 anos?"
"É preciso ficar claro que não estamos reformando a barca para durar mais 30 anos, mas de 24 a 30 meses. Ela tem um prazo determinado de vida", explicou Márcio. Hein?
Com medo do surto de franqueza acabar me contaminando, engatei uma última pergunta: "Vem cá, a que horas o passeio vai sair?" E ouvi do mesmo assessor que acompanhou a conversa com o comandante Levy: "Pois é, não vamos fazer o passeio hoje por problemas operacionais..."
A explicação oficial: por conta da greve das vans, houve sobrecarga no trecho Cocotá-Praça 15, e a empresa preferiu deixar a 'Boa Viagem' de sobreaviso para o caso de precisar socorrer o sistema.
Alguém também lembrou que não pegaria nada bem passageiros apertados na ida para o trabalho enquanto convidados passeavam tranquilamente na barca 'novinha em folha'. Jura?