Por adriano.araujo

Rio - O ataque ao Fórum de Bangu no último dia 31, chamado de ‘terrorista’ pela presidenta do Tribunal de Justiça, Leila Mariano, expôs a fragilidade da segurança de comarcas que recebem presos de alta periculosidade. Na ação, morreram um menino de 8 anos e um policial militar. Durante a semana, equipe do DIA percorreu as regiões consideradas de maior risco e constatou o medo de novas investidas vivido por promotores, magistrados, advogados e moradores de áreas como Bangu, Santa Cruz, Jacarepaguá e Madureira.

Nos locais, foram constatados falta de equipamentos, como detectores de metais, de segurança interna, e espaço apropriado para receber o transporte de presos. Apesar da periculosidade, em Bangu, internos chegam em ônibus da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) e descem na rua. “Eles passam por espécie de corredor polonês até chegar à carceragem. Bangu é um fórum novo. O de Mesquita, que ainda não foi inaugurado, também não tem local apropriado. Isso chega a ser ridículo”, avalia o procurador-geral de Justiça, Marfan Martins Vieira.

Em Santa Cruz%2C bairro com milícias%2C presos circulam entre testemunhas%3A muitas faltam aos depoimentos Carlos Moraes / Agência O Dia

O presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio (Amaerj), Claudio dell'Orto, defende que os juízes tenham informações detalhadas sobre o perfil dos criminosos. “Já passou da hora de o tribunal fazer um mapeamento de risco para planejar a segurança nessas comarcas. A videoconferência é uma exceção, e não uma regra”, critica o magistrado.

Para aumentar a sensação de segurança no Fórum de Bangu, a comarca ganhou detectores de metal e scanner (equipamento que permite ver o interior de objetos). Na quarta-feira, no entanto, o equipamento ainda não estava funcionando. Alguns policiais foram posicionados na porta e nas entradas das varas criminais. O juiz da 1ª Vara Criminal de Bangu, Alexandre Abrahão, era um dos alvos dos criminosos que invadiram o fórum.

Detector inoperante

O mesmo cenário de insegurança se repete em Madureira, onde um PM estava ao lado do detector de metais inoperante quinta-feira à tarde. A comarca ganhou medalha de melhor fórum do estado. A honraria, dada pelo Tribunal de Justiça no meio do ano, está pendurada próxima ao equipamento sem uso. Em Jacarepaguá, os detectores de metais estão na porta. Porém, nunca foram usados porque permanecem encaixotados há quase um ano.

Em Santa Cruz, uma área de milícia, presos circulam entre testemunhas. Muitas faltam ao depoimento com medo de sofrer represália dos criminosos.

Em Jacarepaguá%2C detectores de metais estão encaixotados há quase 1 anoDivulgação

Assustados, vizinhos temem a ‘convivência’ forçada com bandidos

A falta de segurança dos fóruns também causa medo em que trabalha ou mora perto deles. Sem acesso especial para serem recebidos, detentos são obrigados a passar pela calçada para entrar na carceragem. E, para garantir a segurança da área, ruas têm que ser fechadas. Realidade bem diferente daquela do Fórum Central, onde a carceragem ganhou uma blindagem com entrada especial para evitar que os presos circulem em áreas de livre acesso.

Construído na região mais movimentada de Bangu, o fórum do bairro transformou as ruas Francisco Real, Doze de Fevereiro e Silva Cardoso no quarteirão do medo. “Vejo chegar ônibus cheios de bandidos. Eles vêm escoltados por um mega-aparato de segurança. Dá medo”, contou uma mulher, que não se identificou.

Muitos moradores defendem a saída do fórum da área. Mas a unidade está sendo ampliada, e o prédio novo, quase pronto.

“Vieram para ficar. Mas quem tem que sair são eles, não nós”, disse um morador, indignado, que preferiu o anonimato. “Isso gera insegurança. Já vi bandido fugir correndo e ser pego após colocarem o pé na frente para ele cair”, lembrou uma empresária, que não se identificou e que já amarga prejuízos com o ataque. “Muitos clientes ligaram cancelando a vinda”, lamentou ela. O mesmo aconteceu no comércio ao lado. “Vários atendimentos foram cancelados. Estão todos com medo daqui”, revelou a funcionária do estabelecimento.

Segurança foi reforçada só após tentativa de invasão em BanguAlexandre Vieira / Agência O Dia

Falta resolução sobre a localização dos prédios

Há duas resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que tratam das medidas de segurança dos fóruns e magistrados do país. No entanto, nenhuma delas determina a localização onde os prédios devem ser erguidos quando há presos de alta periculosidade. A tragédia de Bangu levantou a questão no conselho.

“Talvez seja algo que precise ser estudado. Mas o problema é achar o ponto de equilíbrio entre a segurança e a facilidade de acesso que as pessoas têm que ter à Justiça”, explicou o desembargador Guilherme Calmon Nogueira da Gama, conselheiro do CNJ.

Ele defende o esquema de segurança em audiências criminais também fora do fóruns: “É preciso que haja uma visão além do prédio, no entorno dele. Cabe um trabalho conjunto do Judiciário com a polícia”.

?Juiz ameaçado em blog

O assassinato do juiz da 1ª Vara Criminal de Bangu, Alexandre Abrahão, foi defendido no ‘Blog do Soldado, o blog defensor dos policiais militares’. A mensagem foi postada dois dias depois do ataque ao fórum de Bangu. O magistrado era um dos alvos do bando. Seguranças dele trocaram tiros com os criminosos, que fugiram sem matá-lo.

Os bandidos pretendiam ainda resgatar Alexandre de Melo, o Piolho, e Vanderlan Ramos da Silva, o Chocolate, traficantes que estavam na carceragem do fórum para depor.

O autor do texto acusa magistrados de defenderem bandidos e venderem sentenças. “...Passam as mãos na cabeça de tudo quanto é traficante, vendendo sentenças para os soltarem, então, que antes chorasse a mãe do juiz, do que a mãe do policial e da criança”, diz o post.

Abrahão não é o único magistrado alvo do blog. Em agosto, o juiz da 1ª Vara de Órfãos e Sucessões da capital, João Batista Damasceno, já foi ameaçado de morte em mensagem publicada no perfil ‘Sobrevivente na PMERJ’, que foi tirado do ar após a ameaça e voltado como ‘Blog do Soldado’. “Gostaríamos de pendurar sua cabeça decepada”, dizia a mensagem. Damasceno foi ameaçado por colocar em seu gabinete uma gravura que mostra PM atirando num negro crucificado. O caso está na Delegacia de Repressão a Crimes de Informática.

Meta é ‘blindar’ comarcas

?Controlar perfil e grau de periculosidade de 400 presos transportados por dia pela Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) se transformou no desafio das autoridades da cúpula de segurança e do Judiciário. Na comissão criada pelo Tribunal de Justiça com a participação de todos os envolvidos, a maior meta até agora é criar um sistema integrado entre a Seap e a Justiça que permita a identificação imediata da necessidade de reforço na segurança em função do preso.

Carro da Seap ficou cheio de marcas de tiro após tentativa de invasão ao Fórum de Bangu no dia 31%2C quando policial e criança foram mortosOsvaldo Praddo / Agência O Dia

Criticado nas reuniões fechadas pela falta de estrutura e uso de viaturas velhas, o secretário Cesar Rubens Monteiro também apresentou as suas agruras. Reclamou que juízes de fóruns diferentes requisitam o mesmo preso para audiências, às vezes até no mesmo horário.

“No Ministério Público, há reclamações de desobediência contra o secretário. Mas a troca de informações resolveria a questão”, analisa o procurador-geral de Justiça, Marfan Martins Vieira, que colocou à disposição do tribunal cinco promotores para participar da comissão.

Nas discussões, um dos temas mais divergentes seria a revista de juízes, promotores e advogados, sugerida pela presidenta do tribunal, a desembargadora Leila Mariano. “Advogados não andam armados de fuzis. A questão não é essa. O que precisamos é que seja implementado o sistema de videoconferência nos casos necessários”, afirmou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), Felipe Santa Cruz.

Contra a criação de um fórum dentro do Complexo Penitenciário de Gericinó, Leila Mariano acena com a possibilidade de juízes, promotores e defensores públicos irem aos presídios, por exemplo, ouvir o interrogatórios de presos perigosos. A ideia ainda será analisada pela comissão.

Promotor lembra momentos de terror na invasão ao fórum

?01. No dia 31/10/2013, bandidos fortemente armados invadiram o Fórum Regional de Bangu, com o duplo propósito de: I) resgatar os presos Alexandre Bandeira de Melo, vulgo ‘Piolho’, e Vanderlan Ramos da Silva, vulgo ‘Chocolate’, ambos integrantes da facção criminosa Amigo dos Amigos (ADA); e II) assassinar o juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira (conforme apontam as investigações da 34ª DP e DH).

02. Os meliantes adentraram no fórum, foram diretamente até a segunda escada de acesso ao 2º piso e ficaram a três passos das salas de audiência da 1ª e 2ª Vara Criminal, onde dois bravos policiais militares conseguiram resistir àquela injusta agressão, impossibilitando que ingressassem nas salas de audiências, sendo certo, no entanto, que um desses policiais (SGTPM De Oliveira) foi fatalmente alvejado.

03. Naquele momento, este signatário encontrava-se na sala de audiência, ao lado do juiz Alexandre Abrahão, encurralado, vivendo momentos de terror, não tendo onde se abrigar em razão das frágeis divisórias de aglomerado que separam os ambientes internos do Tribunal de Justiça.

04. Durante aqueles momentos de desespero, um certo policial tentou sair da sala de audiência para reforçar a resistência, mas desistiu esbravejando “Doutor, não tem como enfrentar, eles estão de fuzil e só estou com um 38”. Muito embora não tenha percebido quem foi este policial, não o critico, pois certamente este policial é um pai de família e, como ser-humano, não seria exigível dele outra conduta!

05. Diante daquelas palavras, um filme se passou em minha mente, pensei em meus amigos, minha família e passei a esperar a morte, já que a qualquer momento acreditava que os meliantes adentrassem na sala de audiência, onde certamente haveria uma carnificina. Graças a Deus e aqueles bons policiais, isso não ocorreu!

06. Infelizmente, durante a fuga, os meliantes ainda trocaram tiros com uma guarnição policial que chegava ao local, oportunidade em que um policial foi ferido, assim como uma criança de apenas 8 (oito) anos de idade foi fatalmente atingida e uma senhora baleada no interior de um ônibus.

07. Ressalto que, apesar de não haver nenhuma ameaça formulada diretamente a este signatário, eu me encontrava ao lado do Magistrado visado na ação dos meliantes e, como se não bastasse, os bandidos que seriam resgatados foram arrolados como testemunhas de defesa em um processo no qual este subscritor participou da instrução criminal que se encerrou pouco antes da ação audaciosa dos criminosos.

08. Diante disso, o clima é de intranquilidade, seja entre os juízes, seja entre os defensores, seja entre nós, promotores, especialmente pelo fato de que temos que nos deslocar cerca de 100 a 150 metros até o fórum!

09. O impacto psicológico deste evento foi demasiado, o que é notoriamente perceptível naqueles que labutam diariamente no Fórum de Bangu, seja entre os juízes, nós promotores e, até mesmo, os defensores públicos que também vivenciaram esta tragédia.

Horácio Afonso Fonseca, promotor criminal em Bangu desde 2004

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