Por thiago.antunes
Rio - Antes de cobrar a falta, Pedro Henrique Silva, de 11 anos, anuncia que vai imitar o jogador de futebol português Cristiano Ronaldo: caminha para trás, abre levemente os braços, separa as pernas finas e faz cara de mau. A bola está num dos muitos buracos do campo do Abóbora, no Jacarezinho. “Na hora do chute, os buracos ajudam a enganar o goleiro. Mas todo dia alguém se machuca jogando aqui”, conta a criança. No Rio, que vai sediar a final da Copa do Mundo de futebol de 2014, o ‘padrão Fifa’ exigido nos estádios não chegou às favelas: O DIA visitou comunidades nas zonas Norte e Sul, além do Centro, e constatou que as opções para práticas esportivas são escassas. E as poucas que existem estão abandonadas.
A trave enferrujada no Morro da Mineira%2C no Catumbi%2C retrata o abandono do principal espaço para prática de esportes da comunidade%3A moradores pedem que poder público ajaFabio Gonçalves / Agência O Dia

Enquanto Pedro e os amigos driblavam buracos, pedras e cimento, uma égua pastava por ali. No local onde deveria funcionar o vestiário, havia apenas uma construção inacabada, o animal e lixo. O campo fica ao lado da sede da UPP da comunidade, instalada este ano. “O Jacarezinho tem mais de 120 mil pessoas. Mas não tem Vila Olímpica, teatro nem cinema. E o único lazer está nesse estado lamentável”, diz Marcos Antônio de Oliveira, voluntário da ONG Rio de Paz. “A polícia chegou, mas e a parte social?”. 

Kayky Dutra tem apenas 5 anos, é tímido, mas perde a vergonha quando a bola rola. Ele entre em campo com crianças bem maiores que ele, no Morro da Mineira. Seu pé é menor que a ‘redonda’, que corre aos tropeços entre as placas de grama sintética descoladas. Do lado de fora, a avó, Valéria Dutra, é só preocupação. “Ele joga o dia todo, tenho que ficar de olho para ele não se machucar”, diz.

Campo de terra batida do Pavão-Pavãozinho%3A sem manutençãoFabio Gonçalves / Agência O Dia

A ferrugem foi responsável pela queda de uma das balizas, e os moradores precisaram fazer a solda da trave, para permitir que gols ainda pudessem ser marcados. As vigas de sustentação das arquibancadas estão corroídas, e o risco de um desastre é iminente. “Essa quadra é o pulmão da comunidade. Falta atenção do poder público”, diz Pedro Paulo Ferreira, presidente da Associação de Moradores da Mineira.

Num dia de chuva e vento fortes, a quadra de cimento no Cantagalo ficou inutilizável. Onde antes funcionava escolinha de futebol e aulas de esporte para idosos, só resta a grade de proteção. Alguns metros acima, no localidade do Caranguejo, no Pavão-Pavãozinho, o campo de terra batida fica deserto na maior parte do tempo. As únicas marcas de que alguém esteve ali são as de balas de fuzil, disparadas pelo tráfico. “Esse espaço poderia ser resgatado como área de lazer. Precisamos de mais atenção”, resume Leandro Abrantes, da Associação Favela Mais.
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Estado investirá R$ 16,4 milhões
No Jacarezinho, Sebastião de Souza, de 60, trabalha sozinho pela manutenção do Campo do Abóbora. “Compro areia, coloco cimento. Por amor ao esporte”, conta. Para ajudá-lo, a ONG Rio de Paz e a rede de mobilizações Meu Rio lançaram campanha no site Panela de Pressão pedindo ao poder público a reforma imediata daquele que é o único campo de futebol na favela.
Moradores das áreas visitadas cobram solução para os problemas dos campinhos.
Égua pasta diante de uma construção abandonada que deveria abrigar vestiário de campo no JacarezinhoFabio Gonçalves / Agência O Dia

Em nível municipal, as secretarias de Conservação, de Obras e de Esporte e Lazer não se responsabilizaram pelas demandas. Já a RioUrbe declarou não ter projeto previsto para a construção ou reforma de campos esportivos nas favelas mencionadas. 

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Já a Secretaria Estadual de Esporte e Lazer informou que investirá R$ 16,4 milhões em obras de recuperação, recapeamento e construção de instalações esportivas em 13 comunidades pacificadas, em parceria com a Light e o Instituto Pereira Passos. Três campos estão sendo inaugurados na Rocinha. Das comunidades visitadas, apenas Pavão-Pavãozinho e Cantagalo serão atendidas. Esses locais receberão as obras a partir de 6 de janeiro: o Pavão-Pavãozinho terá um clube de surfe e o Cantagalo, um espaço para o boxe.
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