Por tamyres.matos
Rio - O tráfico de drogas na Baixada Fluminense está buscando alternativas para manter capitalizadas as quadrilhas que fogem de comunidades ocupadas pela polícia. E foi no lixo que os criminosos encontraram um novo meio de lucrar: eles cobram taxas de caminhões que continuam despejando detritos irregularmente em dois lixões clandestinos de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias.

O local abrigava o maior aterro sanitário da América Latina, que foi fechado em junho de 2012 para dar lugar a uma usina de biogás. Aos poucos, ao menos duas áreas foram sendo transformadas em um lucrativo negócio para os traficantes do Complexo da Mangueirinha, em Caxias, que viram na montanha de lixo a chance de expandir seu domínio, depois que a favela foi ocupada por Companhia Destacada da PM.

Em sobrevôo a um dos lixões%2C o biólogo Mário Moscatelli identificou aquilo que acredita serem depósitos irregulares de produtos químicosMário Moscatelli

Ali, os bandidos atuam livremente: para cada tonelada de material despejado, cobram taxa de R$ 80. Só joga lixo quem paga. Como a maioria do material é detrito químico e hospitalar — que deveria ser descartado em locais específicos e bem longe dali — os responsáveis preferem dar o que o tráfico manda. E para evitar que alguém tente driblar o esquema, os fuzis da Mangueirinha mudaram para lá, junto com os bandidos.

Os traficantes ainda abrigam nos lixões clandestinos fugitivos de outras comunidades do Comando Vermelho no Rio, também retomadas pela polícia, além de abastecer com drogas o vício de quem vive em casebres miseráveis, construídos às margens do antigo aterro. Pessoas que trabalham na região confirmam a presença de traficantes. Segundo afirmam, grupos fortemente armados chegam ao local, às vezes escondidos em caminhões. Um policial que não quis se identificar contou que, a partir de determinados horários, não é seguro transitar pela Avenida Monte Castelo, a principal do bairro.

O despejo irregular de lixo ainda coloca em risco a segurança aérea do Aeroporto Internacional Tom Jobim e destrói a faixa marginal de proteção do Rio Sarapuí, uma área de manguezal que, em períodos de cheia, fica alagada. O DIA esteve na última semana no maior deles, na Rua Tocantins, onde verdadeiras montanhas de lixo alcançavam cinco metros de altura. Em outro, flagrado pelo biólogo Mário Moscatelli, que sobrevoou o local, ocorria o que pode ser o despejo de material químico. “É um Haiti dentro do segundo município mais rico do Rio.”

A montanha de lixo que se acumula em um dos depósitos clandestinos polui o manguezal vizinho à Baía de Guanabara e ameaça o ecossistemaNonato Viegas / Agência O Dia

Polícia pede que moradores denunciem suspeitos

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O comandante do 15º Batalhão de Polícia Militar (BPM), tenente-coronel Ranulfo Brandão, responsável pela região, diz que mantém durante toda a tarde e à noite uma viatura na Avenida Monte Castelo. Outra patrulha, garante ele, faz a ronda no entorno do antigo lixão. O comandante pede aos moradores da região que denunciem pelo 2253-1177 (Disque-Denúncia) ou pelo 190 a presença de pessoas suspeitas na área.
Já a Prefeitura de Duque de Caxias, por nota, afirma que a responsabilidade pela fiscalização dos lixões clandestinos e por elaborar projetos para o desenvolvimento social da região são do Instituto Estadual do Ambiente (Inea). O Inea implantou, em novembro, um polo de reciclagem voltado para o recebimento, triagem, enfardamento e estocagem de resíduos, que adiante, serão vendidos.
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Órgãos prometem providências
Está prevista para breve a liberação de R$ 395 mil para a Prefeitura de Caxias instalar câmeras e impedir novos lixões clandestinos, segundo garantiu o chefe da Coordenadoria Integrada de Combate a Crimes Ambientais (Cicca), coronel José Maurício Padrone. De acordo com ele, sem elas, “é impossível” controlar todas as entradas de Jardim Gramacho.
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Por nota, o Inea afirma que a revitalização do bairro “está em fase de elaboração de projeto básico de urbanismo e infraestrutura”. E dá como prazo o mês de junho de 2014, quando o fechamento do antigo aterro sanitário completará dois anos. O objetivo, diz o órgão, é melhorar a qualidade de vida e evitar a degradação do manguezal.
Risco de causar acidente aéreo
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Para Moscatelli, além dos problemas ambiental, humanitário e socieconômico, há risco de urubus atingirem aviões que pousam e decolam do Galeão, a cinco quilîometros dali. Ele lembra que a lei federal 12.725 proíbe a aterros sanitários num raio de 20km a partir da pista principal dos aeroportos, justamente por atrair aves e arriscar a segurança aérea. “Estão esperando que caia um boeing?”, questiona.
À esquerda do antigo aterro, há rua de terra, repleta de barracos de madeira e que dá acesso a um dos maiores lixões. O mau cheiro também indica a existência de lixo. “Quando chove, vira lama e mistura ao esgoto. É terrível, mas não tenho para onde ir nem do que viver”, lamenta M., moradora que vive da coleta de materiais recicláveis com três filhos.