Por tamyres.matos
Rio - Uma mulher de 24 anos deu à luz o segundo filho dentro do elevador enguiçado em plena queda de energia no Hospital Estadual Albert Schweitzer, em Realengo. Ela passou mais de 20 minutos presa no elevador escuro, junto com um maqueiro e uma enfermeira, que a ajudaram no trabalho de parto. A situação, inusitada, se integrou à rotina de moradores da Zona Oeste, onde o verão tem sido sinônimo de longas noites sem luz.
Em protesto contra as quedas de energia, houve manifestações em três bairros da região durante a madrugada de ontem. Baderneiros aproveitaram para se infiltrar nos protestos e promover atos de vandalismo e pequenos furtos, levando ainda mais desespero aos moradores da Zona Oeste. Muitos, inclusive, tiveram que deixar suas casas.
Durante protesto ônibus foi queimado por baderneiros que se infiltraram nos protestos de moradoresMarcius Duquerne / Agência O Dia

Na Estrada da Posse, em Campo Grande, manifestantes revoltados com a falta de energia, que já dura quatro dias, atearam fogo em um ônibus e um carro e danificaram um radar da prefeitura. Pneus, lixo e madeira também foram incendiados. A PM foi ao local e precisou do apoio do Batalhão de Choque para conter os manifestantes. A luz só foi restabelecida cinco horas depois.

Nas estradas do Mato Alto e da Cachamorra, em Guaratiba, e na Estrada do Magarça, em Santa Cruz, moradores também bloquearam o entroncamento das duas vias para protestar pela falta de energia. Não muito distante dali, no bairro Vila Nova, também em Campo Grande, as reclamações dos moradores são semelhantes. Segundo contam, esse é o segundo verão em que passam pelo mesmo transtorno, sem solução.

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O clima na Estrada da Posse, em Campo Grande, era hostil já na noite de quarta-feira. A reportagem do DIA foi surpreendida por um grupo de oito homens em quatro motos. Eles cercaram o veículo, intimidaram a equipe e lançaram bombas de cabeção de nego. No início da madrugada, uma equipe do SBT retornou, depois de ser orientada por outros moradores a não se aproximar do local do protesto, sob a ameaça de o veículo da emissora de TV também ser incendiado por outros manifestantes.
Grávidas%2C as cunhadas Regina e Kamila deixam os maridos dormirem na laje%2C enquanto os filhos ficam na varanda%2C no bairro de SantíssimoSeverino Silva / Agência O Dia

A Light admitiu o problema em Campo Grande, mas informou que o ramal que abastece o bairro não tem relação com o que alimenta Realengo e o hospital. Em nota, a empresa informou ainda que “restabeleceu totalmente o fornecimento de energia para trechos interrompidos na Estrada da Posse, após reparo em cabo de energia danificado por sobrecarga, decorrente de ligações clandestinas.”

Doente sofre sem energia, apesar de pagar conta alta

Moradora de Campo Grande há mais de 20 anos, a dona de casa Dilma de Oliveira, de 70, cuida do marido, de 85, que há dois anos vive em cima de uma cama. José Maria Souza, que não se locomove e não fala, utiliza uma cama pneumática movida a eletricidade e necessita do ar condicionado para refrigerar o ambiente e ajudar a evitar escaras no corpo.

Para garantir esses cuidados especiais, Dilma chega a pagar R$ 450 por mês de conta de luz, mas, como ela conta, o serviço não é bem prestado. “Antes eu pagava menos de R$ 100. Preciso de energia porque a cama precisa estar ligada. Sem isso o sangue para de circular em certas partes do corpo. Dependo de energia para tudo, até mesmo para alimentá-lo. A comida é dada por sonda de três em três horas e tudo precisa ser processado no liquidificador”, contou.

CAUANE NASCEU NO ESCURO E PRESA NO ELEVADOR

Cauane tem apenas um dia de nascida e já chegou ao mundo vítima de um dos muitos problemas que assolam a Zona Oeste: a falta de luz. Devido ao apagão na madrugada de ontem, a menina nasceu dentro do elevador do Hospital Albert Schweitzer, em Realengo, quando a mãe, Daiana Paula da Silva, de 24 anos, subia para a maternidade no sexto andar.

Em trabalho de parto, Daiana ficou mais de 20 minutos presa no elevador, que parou no quarto andar. Ela teve ajuda de uma enfermeira que a acompanhava. No local, havia também um maqueiro. O parto aconteceu no escuro, por volta das 3h, e, após dar à luz, Daiana contou que ainda ficou presa por mais 20 minutos.

Daiana passou cerca de 20 minutos dentro do elevador%2C onde o segundo filho nasceu%2C com ajuda do maqueiro e da auxiliar de enfermagemMaria Inez Magalhães / Agência O Dia

Ela havia saído de casa, em Realengo, sozinha, para o hospital, depois que a bolsa estourou e já com as dores do parto. “Por sorte, tinha uma enfermeira comigo. Ela tirou o jaleco, colocou no chão, eu deitei e minha filha nasceu. Tudo isso no escuro. Ela já estava nascendo. Não dava para esperar. Fiquei muito nervosa. As pessoas do lado de fora falavam para eu me acalmar, mas eu não conseguia. Fiquei gritando socorro. Minha filha estava respirando com dificuldade. Fiquei com medo de ela morrer ali”, lembrou a mãe.

Para conseguirem sair, ela revelou que foi preciso que as pessoas do lado de fora arrombassem a porta do elevador. Mãe e filha foram retiradas ainda presas uma a outra pelo cordão umbilical. “Quando abriram a porta foi um alívio. Mas ainda ouvi de uma médica que eu tinha que ter esperado, que não tinha necessidade nenhuma de eu ter a criança dentro do elevador”, lamentou.
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Passado o sufoco do parto, Daiana e Cauane foram avaliadas ontem pelos médicos, que constataram que mãe e filha passam bem. Elas devem ter alta hoje. Daiana tem ainda Cauã, de 2 anos. “Graças a Deus deu tudo certo, mas poderia não ter dado. Mas agora está tudo bem”, comemorou, amamentando Cauane.

Light e estado divergem

A Light e a Secretaria Estadual de Saúde não se entenderam sobre a falta de luz no Albert Schweitzer. Enquanto o estado informou que o problema foi causado por falha da concessionária, por volta das 2h, a Light disse, em nota, que não houve interrupção no fornecimento ao hospital, da noite de quarta até a tarde de quinta.

Segundo a empresa, o problema provavelmente foi causado por falha interna no hospital. A secretaria informou que os geradores foram acionados, mas houve um problema no elevador. Contestada sobre o tempo para socorro à gestante, a secretaria disse que ela ficou 20 minutos dentro do equipamento. A paciente, entretanto, diz que o tempo de espera foi bem maior e ela só foi resgatada quando a porta foi arrombada.
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A Light informou ainda que investe em melhorias, com construção e ampliação de subestações e circuitos que atendem Campo Grande, Bangu, Santíssimo e Senador Camará. De acordo com a Secretaria, o incidente não alterou o quadro clínico da mãe e do bebê.