Por thiago.antunes
Rio - A menos de um ano do fim da gestão Sérgio Cabral, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, surpreendeu a população ontem ao anunciar mudança drástica no planejamento das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs). Ele adiou, mais uma vez, a ocupação do Complexo da Maré — que já havia sido anunciada para março pelo governador — e revelou que vai instalar unidades na Baixada, São Gonçalo e Niterói até o fim de junho.
Beltrame fez o anúncio durante a inauguração da Companhia Destacada da Praça Seca, em Jacarepaguá, onde prometeu outras seis sedes desse tipo para a Baixada e sete para Niterói e São Gonçalo. A notícia sobre as UPPs renovou a esperança de milhões de moradores dessas regiões, que desde o início do processo de pacificação de favelas cariocas, em 2008, reclamavam sobre a migração de criminosos e o aumento da violência.
Beltrame esteve no Morro São José Operário nesta sexta-feira Fabio Gonçalves / Agência O Dia

“Chegou a hora da Baixada, de São Gonçalo e de Niterói. São cidadãos que sofrem com a violência e que também pagam seus impostos, como quem mora no Leblon ou em qualquer outro lugar do Rio de Janeiro”, afirmou Beltrame.

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O secretário decidiu furar a fila da pacificação há pelo menos duas semanas. A ideia é que as comunidades que receberem as unidades liberem efetivo dos batalhões para o policiamento nas ruas. Com isso, os batalhões que carecem de efetivo ficarão com seus quadros completos para combater os crimes.

Ele afirmou que a Baixada deverá ganhar ‘quatro ou cinco’ UPPs, mas não revelou as cidades. Há informações de que os municípios escolhidos seriam Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São João de Meriti e Belford Roxo. No total, serão quase mil novos policiais nessas áreas, a partir de março.

Secretária anunciou que Baixada e São Gonçalo terão UPPsFabio Gonçalves / Agência O Dia

As Companhias Destacadas vão complementar o reforço de policiamento em regiões onde a Secretaria mapeou, mas que, para o governo, não há necessidade da instalação de UPPs. Em dezembro, o comando da PM havia anunciado que um total de mais de 600 policiais recém-formados atuariam em 10 Companhias Destacadas nas três regiões.

Já sobre Niterói e São Gonçalo, o secretário contou que ambas serão atendidas. “Temos um projeto que tem resultados muito mais positivos do que negativos. Por que não levar isso para áreas que também têm sofrido com os índices de criminalidade?”

Para a Secretaria, as áreas mais preocupantes atualmente serão contempladas com UPPs, por isso, o adiamento da ocupação da Maré. “Nós vamos fazer a Maré. Temos acompanhado os índices de criminalidade e entendemos que eles estão com incidência muito maior na Baixada do que aqui. Obviamente, por um fator técnico, vamos fazer essa curva da Baixada, mas vamos, sim, atender a Maré”, afirmou.

Para a antropóloga Alba Zaluar, especialista em violência urbana, a decisão de beneficiar cidades da Região Metropolitana e não da capital é acertada. Para ela, essas áreas tiveram aumento na criminalidade e não possuem outras alternativas, como projetos. “Acho uma boa notícia, considerando a Região Metropolitana e não só a capital. Na Maré, por exemplo, tem muita gente trabalhando lá, essas outras regiões não têm quase nada”, disse.

No início do ano%2C pelo menos 22 pessoas foram mortas num curto espaço de tempo na Baixada. Investigações apontam invasão de traficantes da Nova Holanda na regiãoIvan Teixeira / Hora H / Agência O Dia

‘A presença da polícia vai passar tranquilidade para a população’

Ontem, foram inauguradas as Companhias Destacadas dos morros São José Operário e Bateau Mouche, na Praça Seca. O secretário Beltrame aproveitou para anunciar que a próxima unidade será na Pavuna. Uma outra companhia já havia sido instalada no Morro da Covanca, em Jacarepaguá, em novembro.

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Desde o ano passado, moradores de Jacarepaguá reclamam da violência e relatam sobre tiros disparados por traficantes e milicianos, que disputam o controle da região. “Acreditamos que com a presença da polícia aqui, a gente consiga passar tranquilidade para a população”, disse Beltrame. O patrulhamento será feito por 60 homens que já atuaram em UPPs.
De acordo com o comandante do 9º BPM (Rocha Miranda), coronel Wagner Moretzohn, a quem o destacamento estará subordinado, a ideia é usar a experiência de policiais de UPP para ajudar na proximidade com a comunidade. “Os moradores ainda não se relacionam muito com os policiais, temos que conquistar esse espaço. Mas os policiais vindos de UPPs têm esse treinamento e vamos ter confiança mútua”, contou.
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Ainda segundo Moretzohn, a forma de atuação de uma Companhia é muito próxima à de uma UPP. Ele ressaltou que a diferença é que os policiais desta última não ficarão restritos as comunidade, também ajudarão na segurança de todo o bairro. A companhia terá três bases: uma no morro São José Operário, outra no Bateau Mouche e a última na Praça Seca.
Maré lamenta decisão
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A decisão do governo de adiar a ocupação do Complexo da Maré — que vinha sendo preparada pela Inteligência de forças de Segurança há dois anos — desagradou a muitos que esperavam que o conjunto de 15 favelas fosse, finalmente, libertado do domínio do tráfico.
“Daqui a cinco meses teremos Copa do Mundo, e o Rio de Janeiro nunca foi tão violento no seu perímetro urbano. Isto está me cheirando a estratégia eleitoreira”, criticou a fundadora e coordenadora do projeto Uerê no Complexo da Maré, Yvone Bezerra de Mello.
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Em outubro, nas eleições para o governo, um dos candidatos ao cargo será o atual vice, Luiz Fernando Pezão. Ele deverá ocupar a cadeira já em março, quando Cabral deixará o posto.
“Essa coisa de não saber o que vai acontecer é muito ruim pra todo mundo e cria muita angústia”, lamentou Edson Diniz, um dos fundadores da ONG Redes da Maré e representante da Sociedade Civil no Conselho Nacional de Segurança Pública.
Para ele, quanto mais ‘idas e vindas’ do projeto, pior: “A população sofre com a falta de informação e fica um clima de especulação que só prejudica e causa insegurança”. Especialista em segurança pública, o ex-capitão do Bope Paulo Storani disse que a mudança causou espanto. “Mudança brusca em estratégia criteriosa soa como política”.
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Região Oceânica de Niterói e São Gonçalo tem escalada de violência
Ontem, São Gonçalo registrou mais uma vítima de homicídio na cidade. O corpo de uma adolescente, de aproximadamente 15 anos, foi encontrado de madrugada em um matagal no bairro Sacramento, com três tiros no rosto. A Divisão de Homicídios de Niterói e São Gonçalo (DHNSG) investiga o caso, mas a jovem ainda não foi identificada.
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“Ela foi morta naquele local. Testemunhas ouviram um grito de uma mulher e, em seguida, tiros. Estamos buscando registros de desaparecimento em delegacias da região de uma adolescente com o perfil da vítima para tentarmos indentificá-la. Não está descartada nenhuma hipótese para o crime”, explicou o delegado da DHNSG, Allan Duarte.
Outro crime que chocou a cidade foi o assassinato de André Santos Martins, 30 anos, e do filho dele, André Roberto Silva Martins de 1 ano e 11 meses, em dezembro do ano passado. Pai e filho estavam com a família passando pelo Centro de São Gonçalo, quando dois homens em uma motocicleta atiraram e fugiram. O assassino já foi identificado, mas está foragido. O delegado titular da 73ª DP (Neves), Jorge Luiz da Silva Veloso, está tentando identificar o comparsa do criminoso. Segundo ele, o motivo do crime foi uma desavença familiar entre os dois.
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A violência chegou também a Camboinhas, bairro de classe alta de Niterói, na Região Oceânica. No último dia 9, o empresário Renato Avelar e Silva, de 41 anos, foi morto com três tiros quando saía de uma partida de futebol com amigos em um clube perto de onde foi executado. Os criminosos, que estavam num carro, fugiram. A polícia já sabe que foi execução. Há tempos, moradores da Região Oceânica pediam a instalação de UPP.
Prefeitos elogiam a medida
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Na Baixada, o prefeito de Nova Iguaçu, Nelson Bornier, saudou o anúncio de José Mariano Beltrame. Segundo Bornier, o secretário de Segurança garantiu que ao menos uma dessas UPPs será no município. “Não é possível que uma cidade como Nova Iguaçu não receba nenhuma UPP”, ressaltou. Segundo o prefeito, a Companhia Destacada será inaugurada dia 4 de fevereiro na Estrada de Madureira.
“É uma conquista de toda a Baixada. A migração de bandidos da capital fugidos das UPPs cariocas é fato e apavora os moradores da região”, disse o deputado federal Marcelo Matos (PDT) em nome do irmão, o prefeito licenciado de São João de Meriti, Sandro Matos, que encabeçou o grupo de prefeitos que cobrou do secretário Beltrame mais policiamento na região.
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O prefeito de São Gonçalo, Neilton Mulim, classificou a criação de uma UPP na cidade como importantíssima. “Com as UPPs do Rio houve migração de traficantes para nossa região e o aumento da criminalidade. Acredito, inclusive, que com a PM convivendo com os moradores das comunidades haverá de fato a pacificação. A Segurança Pública estadual, porém, não pode esquecer de levar a outros bairros os DPOs, que dão um sensação de conforto aos moradores”, enfatizou.
Onda de assassinatos
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Na Baixada Fluminense, 14 pessoas foram assassinadas em 30 horas nos dias 14 e 15 de janeiro. Entre as vítimas, os primos Erick Nascimento, 23 anos, e Gabriel Silva, 19, foram mortos depois de roubar um carro em Mesquita e abandoná-lo ao enguiçar, no Centro de Nilópolis. Segundo informações, a área é dominada por uma milícia.
Uma semana antes, oito homens foram assassinados em Nova Iguaçu. Informações do Setor de Inteligência do 20º BPM (Mesquita) apontaram para a invasão de traficantes de drogas oriundos da Favela Nova Holanda, no Complexo da Maré, que teriam tentado tomar as bocas de fumo das comunidades próximas à Avenida Abílio Augusto Távora (antiga Estrada de Madureira).
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Lucia Menezes, mãe da rainha de bateria da Beija-Flor Raissa de Oliveira, conta que ficou traumatizada depois da noite desta quinta-feira, quando bandidos fortemente armados renderam e assaltaram um casal de amigos da família na porta de sua casa. Moradora de Nilópolis há mais de 30 anos, ela afirma que está com medo de sair de casa. “Nunca vi tanta violência. Sem policiamento, a coisa fica muito difícil. Temo pela segurança dos meus filhos”, desabafou.
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