Por thiago.antunes

Rio -  Uma força-tarefa de várias delegacias investiga se existem grupos organizados aliciando pessoas para praticar atos violentos em manifestações. Ontem, o chefe da Polícia Civil, Fernando Veloso, garantiu que há diversos inquéritos instaurados — e interligados — para apurar as suspeitas e criticou o uso de máscaras em protestos.

A declaração foi dada horas depois da prisão de Caio Silva de Souza, de 22 anos, indiciado por homicídio doloso (quando há intenção) qualificado e crime de explosão — o rojão que ele disparou na quinta-feira atingiu o cinegrafista Santiago Andrade, da Rede Bandeirantes, que morreu na segunda-feira. O setor de Inteligência da Polícia Civil também identificou Caio em imagens relacionadas a outros protestos: “Na análise de imagens, já foi identificada a participação do Caio em outros atos de violência ”, disse Veloso.

Delegado Maurício Luciano (à esquerda) ao lado do chefe de Polícia Civil Fernando Veloso na coletiva de imprensaCarlos Moraes / Agência O Dia

O advogado de Caio, Jonas Tadeu Nunes — que também representa o outro indiciado, Fábio Raposo, 22 — chegou a declarar que os jovens são manipulados com ofertas de até R$ 150 para participar de atos de vandalismo.

“Numa manifestação, podemos ter pessoas que estão lá por ideologia ou por motivações criminosas ou políticas. Não podemos afirmar prematuramente. Mas já há vários inquéritos instaurados nessa linha e todos inter-relacionados. O conhecimento de tudo migra para a área de Inteligência”, declarou Veloso. “Quando os fatos passaram a demonstrar gravidade maior, com resultados desastrosos, percebemos que ali havia mais do que uma manifestação”, completou.

O delegado da 17ª DP (São Cristóvão), Maurício Luciano, informou que o caso está elucidado. Disse ainda que não há como afirmar que os dois indiciados são black blocs, mas que suas práticas são semelhantes. “O inquérito está concluído e será enviado à Justiça na sexta-feira. Só faltam algumas peças a serem anexadas, como o laudo do Esquadrão Antibombas”, declarou.

Caio confirmou à TV Globo que acendeu rojão. À polícia%2C disse que só falará em juízoCarlos Moraes / Agência O Dia

Caio: ‘acuado, faminto e assustado’

Foi embaixo da cama de um pequeno quarto de pensão, em Feira de Santana, na Bahia, e ‘acuado, faminto e assustado’, segundo policiais, que Caio foi encontrado pela polícia do Rio, na madrugada de ontem. A operação contou com apoio de agentes da Polícia Civil da Bahia.
Auxiliar de serviços gerais no Hospital Rocha Faria, morador de Nilópolis e descrito como ‘muito pobre’ pelo delegado Maurício Luciano, Caio afirmou que vendeu seu aparelho celular para comprar a passagem para Ipu, no interior do Ceará, cidade de seus avós paternos e onde ele ficaria escondido.

Com rojão na mão%2C Caio foi flagrado momentos antes da tragédiaReprodução

Apesar de afirmar que só falará em juízo, o jovem admitiu informalmente a policiais que acendeu o rojão e demonstrou arrependimento. O delegado afirmou que, na segunda, vizinhos de Caio o viram deixar sua casa com uma mochila, acompanhado do pai e da madrasta. Foi quando ele comprou o bilhete para viajar ao Nordeste.

Caio foi convencido pelo advogado e a namorada a se entregar. “Íamos chegar até ele, mas, com isso, a ação foi mais rápida. Estava acuado e faminto, há dois dias sem comer. Antes de entrarmos, a namorada conversou com ele”, descreveu um policial.

Personalidade muda em atos

Ao chegar ao Rio, Caio foi levado à Cidade da Polícia. Depois, ao Instituto Médico-Legal (IML), para fazer exame de corpo de delito. Dali foi encaminhado para a Cadeia Pública José Frederico Marques, no Complexo de Gericinó, Zona Oeste, onde também está Fábio Raposo. Os dois tiveram a prisão temporária (30 dias) decretada. Se forem condenados, cada um pode pegar até 35 anos de prisão.

Segundo o delegado da 17ª DP(São Cristóvão), Maurício Luciano, o comportamento de Caio é contraditório. Ele disse que o jovem é visto como uma pessoa tranquila por vizinhos e colegas de trabalho: “Isso nos leva a crer que ele sozinho tem uma personalidade, e sob efeito da multidão ele se transforma, agindo de forma violenta”.

Segundo ele, Caio falava muito de sua condição social. “Sua família é miserável. A mãe, desempregada, não tem renda. Ele me pediu a viagem inteira que conseguisse algo para ela com uma assistente social”, contou o delegado. O velório de Santiago acontece hoje, das 7 às 11h, no Cemitério do Caju, onde o corpo será cremado.

Entrada em pousada com nome falso

A fuga de Caio Silva durou pouco tempo. O rapaz embarcou sozinho na segunda-feira, às 10h, na Rodoviária Novo Rio, com destino à cidade de Ipu, no interior do Ceará, onde mora o avô paterno. Porém, por volta das 17h de terça-feira, ele interrompeu sua trajetória e desceu em uma das paradas do ônibus, em Feira de Santana (Bahia). Na cidade, ele deu entrada na Pousada Gonçalves sozinho, com o nome falso de Vinicius Marcos de Castro, onde ficou até a chegada da polícia, às 2h.

Santiago tinha 20 anos na profissão e dois prêmios de Jornalismo por coberturas de mobilidade urbana Reprodução Internet

Segundo o recepcionista do local, Marcos Paulo Costa, Caio carregava apenas uma mochila e teria lhe dito que, mais tarde, seu pai traria sua carteira de identidade. Ele pagou R$ 30 em dinheiro pela diária de um quarto pequeno (a passagem do Rio até Ipu custa cerca de R$ 420). Caio só teria saído do local para atender à ligação de um rapaz que se identificou como seu irmão.

De acordo com o recepcionista da pousada, em nenhum momento, hóspedes ou funcionários desconfiaram de que o rapaz se tratava do suspeito de atirar o rojão que matou o cinegrafista Santiago Andrade. “Ele estava muito tranquilo e ninguém esperava que Caio ia sair do Rio para vir parar em Feira de Santana, sem ninguém conseguir pegá-lo”. A ONG Rio de Paz realiza hoje, entre 6h e 13h, nas areias de Copacabana, em frente à Avenida Princesa Isabel, ato público em memória de Santiago.

Prisão causa surpresa

A prisão de Caio Silva de Souza causou espanto entre vizinhos e amigos de trabalho dele. Morador do bairro de Olinda, em Nilópolis, onde dividia uma casa com o pai, ele foi descrito como um rapaz quieto e reservado. Na rua onde ele vivia, moradores contaram que jamais poderiam imaginar que Caio fosse alguém que pudesse cometer um crime.

Uma mulher disse que Caio andava pouco pela rua e era visto apenas na hora de ir e voltar do trabalho. Cumprimentava os vizinhos, mas não ficava muito tempo na rua. “Só o víamos indo e voltando do trabalho. Ele é respeitador, cumprimentava as pessoas, mas não era de conversa”, contou ela. “Essa notícia foi uma surpresa para os vizinhos e para a família”, disse um rapaz.

No Hospital Rocha Faria, em Campo Grande, onde Caio trabalhava como auxiliar de serviços gerais há sete meses, colegas também ficaram surpresos. Segundo funcionários contaram, Caio trabalhava em dias alternados, entre 7h e 19h. Eles contam que não sabiam o que Caio fazia durante suas folgas e que ele poucas vezes falou sobre manifestações no ambiente de trabalho. “Ele não parecia ter o perfil de quem era agressivo em manifestações”, disse um funcionário.

Você pode gostar