Rio - A venda ilegal de ingressos da Copa, revelado pela polícia carioca na semana passada com a prisão de 12 pessoas, seria a ponta do iceberg de um esquema milionário que envolveria até patrocinadores da Fifa. A revelação foi feita em relatório enviado ontem ao DIA por um agente de viagens europeu, que detalha uma organização envolvendo agências internacionais especializadas na venda de entradas em grandes eventos.

Ele diz que o problema descoberto pela polícia é apenas uma pequena parte. “A Match Services (que tem a exclusividade na venda de ingressos da Copa) é só uma firma. E não é nada se comparada com todos os ingressos que são revendidos a preços mais de dez vezes superiores ao valor original. Há um mercado negro que envolve patrocinadores”, disse o agente, que pediu anonimato.
Segundo a denúncia, que será repassada hoje ao Ministério Público, os patrocinadores da Fifa possuem 63% dos ingressos do Mundial. E pessoas ligadas a eles os vendem a intermediários. Os bilhetes param nas mãos de agências internacionais de turismo, que negociam o acesso às arquibancadas dos estádios nos jogos a valores bem acima do mercado.
A especulação aumentou esta semana, às vésperas da decisão da Copa, domingo, no Maracanã. Segundo a denúncia, os ingressos de categoria 1, que custam R$ 1.980, são repassados às agências por R$ 4 mil — o dobro do preço. E estariam sendo oferecidos a interessados em assistir ao jogo final por até 15 mil dólares (equivalentes a R$ 33.192).
As agências ofereceriam ainda acesso aos melhores hotéis e restaurantes do Rio, garantindo transporte para o Maracanã. “É um pacote completo. Eu sei desses valores porque houve interesse de clientes chineses. Mas eles desistiram porque acharam os valores muito altos”.
O agente europeu disse ainda que o esquema funciona há pelo menos 20 anos. E, segundo ele, a entidade organizadora da Copa tem conhecimento da venda ilegal de ingressos. “Mas a Fifa não tem interesse em investigar, porque depende dos patrocinadores. Isso (venda ilegal de ingressos) não é surpresa para quem trabalha na indústria. Mas o esquema nunca foi investigado dessa forma. Ninguém imaginava que a polícia brasileira iria atrás da Fifa dessa forma. Na Copa do Mundo na África, a venda de ingressos ocorria livremente”, avaliou.
Segundo a investigação feita pela 18ª DP (Praça da Bandeira), o esquema envolvendo a máfia dos ingressos movimentava cerca de R$ 200 milhões nas últimas quatro Copas do Mundo. Uma empresa de turismo da Europa, inclusive, oferece — e já vendeu centenas —, em seu site pacote de ingressos da disputa de terceiro lugar, da final e até de outros eventos. “A Copa do Mundo será decidida no país do futebol. Uma experiência única na vida”, escreveu o site.
Promotor irá avaliar a denúncia
O promotor Marcos Kac, da 9ª Promotoria de Investigação Penal (PIP), que deve denunciar a máfia dos ingressos hoje, disse que irá avaliar o relatório enviado pelo agente europeu ao DIA. “Mas ainda é prematuro falar sobre algo que ainda nem foi investigado. Agora, estou analisando os elementos do inquérito para embasar a denúncia”, explicou.
A reportagem do DIA enviou e-mail à Fifa, pedindo resposta sobre o assunto. Mas não obteve resposta até as 22h30 de quarta-feira.
A Polícia Civil entregou, ontem, o inquérito ao MP, pedindo a prisão preventiva de 11 dos acusados de participar do esquema. Marcos Kac tem um prazo de cinco dias para estudar o conteúdo do inquérito, que é sigiloso.
Polícia Civil pede prisão de 11 dos 12 acusaados de integrar esquema
A Polícia Civil pediu prisão preventiva de 11 dos 12 acusados de integrar o esquema. Entre eles, está o francês de origem argelina Mohamadou Lamine Fofana, acusado de chefiar o esquema que está preso desde a semana passada, e o britânico Raymond Whalen, capturado na segunda-feira e liberado na madrugada seguinte, por meio de um pedido de liberdade provisória.
Apontado como o ‘tubarão’ da Fifa, Whelan era gerente-executivo da Match Services, empresa que tem a exclusividade da venda de ingressos na Copa. E pediu para se afastar do cargo ontem. Ele é acusado pela investigação de ser um dos principais fornecedores de ingressos da quadrilha. Acabou indiciado por associação criminosa e por facilitar o recebimento de ingressos a cambistas, delito previsto no Estatuto do Torcedor.