Por thiago.antunes

Rio - Nos autos do processo contra os 23 ativistas supostamente envolvidos em atos violentos durante manifestações alguns detalhes chamam atenção e lembram até expressões usadas em investigações da ditadura militar. Em determinado momento, o inquérito descreve que Elisa Sanzi, a Sininho, “orientava os manifestantes a quebrarem bens e arremessarem coquetéis molotov”.

Além disso, o texto faz referência a “matérias jornalísticas”, que indicam que Elisa teria feito “cursos de ativismo político e agitação com formação e ações de guerrilhas e terror urbano em Cuba e na Rússia”. Isso, segundo a investigação, teria relação com ataques feitos por Black Blocs à embaixada brasileira em Berlim, em maio deste ano.

Clique na imagem para ver maiorArte%3A O Dia

Outro trecho que chama atenção é um relatório produzido após uma busca e apreensão realizada na casa do acusado Igor D’Icarahy. Os materiais levados pela polícia se resumem a uma lista de presença na Marcha da Maconha, além de cartazes e panfletos com palavras de ordem como “Não vai ter Copa”. O inquérito também acusa o Instituto de Defensores de Direitos Humanos (IDDH) de “questionar a ordem vigente distribuindo o terror”.

Desembargador concedeu habeas corpus

O desembargador Siro Darlan, da 7ª Câmara Criminal do Rio de Janeiro, considerou que os 23 ativistas acusados de participarem de protestos violentos no último ano “não representam perigo a ordem pública” e concedeu no fim da tarde de ontem habeas corpus a todos os acusados. A decisão revoga a prisão preventiva decretada na sexta-feira pelo juiz da 27ª Vara Criminal, Flávio Itabaiana.

Siro Darlan usou samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense para comentar decisão Reprodução Facebook

“A decisão confirma a anterior, que entendia que a prisão era ilegal”, comentou o advogado Edson Fontes, que representa Drean Moraes de Moura Corrêa, o ‘DR’, apontado pela polícia e pelo Ministério Público do Rio como uma das lideranças da Frente Independente Popular (FIP). Drean, como outros 17, estava foragido.

A medida põe em liberdade os ativistas Elisa de Quadros Pinto Sanzi, a Sininho, Camila Aparecida Rodrigues Jourdan e Igor Pereira D’Icarahy, presos desde o dia 12 de julho. Os outros acusados deixam de ser considerados foragidos. Já Fabio Raposo Barbosa e Caio Silva de Souza são réus em outra ação penal por terem soltado o rojão que provocou a morte do cinegrafista Santiago Andrade, em fevereiro deste ano, durante manifestação em frente à Central do Brasil.

O advogado Marino D’Icarahy%3A “Estou feliz como advogado e pai”André Mourão / Agência O Dia

Pouco depois de proferir sua decisão, Siro Darlan publicou no Facebook a letra da música ‘Felicidade’, cantada por Caetano Veloso: “O pensamento parece uma coisa à toa. Mas como é que a gente voa, quando começa a pensar”. E encerrou com um “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós.”
Ao longo da semana, o magistrado criticou a forma como o processo foi conduzido pela Polícia Civil. Ele questionou a falta de acesso aos autos, bem como a atitude do delegado-titular da Delegacia de Repressão a Crimes da Informática (DRCI), Alessandro Thiers.

Segundo Darlan, o delegado ignorou ofício que pedia a documentação relativa ao inquérito contra os 23 ativistas. A Polícia Civil, entretanto, afirmou que o ofício não foi recebido. Após receber a notícia do habeas corpus, o advogado Marino D’Icarahy comemorou. “Estou feliz duplamente: como advogado e como pai”, disse, pedindo para que “a sociedade utilize a decisão do desembargador para refletir sobre os linchamentos públicos. A pessoa só é considerada culpada por algo quando o processo está julgado”, lembrou D’Icarahy. 

Segundo os advogados dos ativistas, a partir de agora os documentos serão lidos para que cada acusação possa ser contestada. “Vamos estudar tudo o que está dito no inquérito e derrubaremos todas as acusações”, afirmou. A expectativa é de que os acusados sejam libertados durante o dia de hoje.

Elisa Quadros%2C a SininhoJosé Pedro Monteiro / Agência O Dia

Operação desencadeada após um ano de investigação

A Operação Fire Wall foi desencadeada pela Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) dia 12, véspera da final da Copa do Mundo, para cumprir mandados de prisão de acusados por envolvimento em atos de vandalismo ocorridos em protestos desde junho de 2013. Vinte e três ativistas foram presos no Rio, em Búzios e em Porto Alegre (RS), onde estava Elisa Quadros Sanzi, a Sininho. A polícia afirma que ela é uma das líderes do movimento.

Fábio Raposo Barbosa e Caio Silva Rangel, que também tiveram as prisões preventivas decretadas, estão presos no Complexo de Gericinó acusados da morte do cinegrafista Santiago Andrade, em fevereiro, num ato na Central.

As investigações duraram um ano e contaram com escutas telefônicas autorizadas pela Justiça. No inquérito, a polícia afirma que as gravações comprovariam que ativistas prepararam coquetéis molotov. Muitos artefatos foram usados contra estabelecimentos, prédios públicos e contra PMs. Com prisão decretada, a advogada Eloísa Samy pediu asilo no Consulado do Uruguai. Agora está livre.

Você pode gostar