Por thiago.antunes

Rio - É como se uma cidade submersa tivesse dia e hora para ser desbravada. Verdadeiro oásis da Região Metropolitana, a Estação de Tratamento do Rio Guandu viveu nesta quarta o seu único dia de inatividade anual. A megaoperação de manutenção do sistema, que abastece mais de 9 milhões de pessoas, revela um cenário típico do sertão nordestino, num local onde a água é usualmente abundante.

O fechamento das comportas para a instalação de duas válvulas de bombeamento, visando o pleno abastecimento no verão, fez com que os reservatórios e dutos secassem, tornando possível andar por galerias cujas profundidades são superiores a oito metros.

A arquitetura da Estação de Tratamento do Guandu%2C com seus dutos e canais%2C surge com a redução do nível da água para manutenção e limpezaFabio Gonçalves / Agência O Dia

Bastaram 30 minutos para que a ‘grande caixa de chegada’ se transformasse com o escoamento da água. O rápido esvaziamento do compartimento onde 45 mil litros deságuam por segundo mostrava a velocidade com que se consome a produção. Exatamente por isso, não houve tempo para descanso.

Três mil homens trabalharam em vistorias e reparos dos canais subterrâneos, limpeza de filtros e canaletas e instalação dos maquinários de bombeamento. Muitos deles tiveram suas folgas remanejadas para a ação. Também pudera, as bicas secas de milhares de cariocas fizeram com que muitos antecipassem para a noite de ontem a saída para o feriadão.

Cenário seco

Os seis metros de profundidade do reservatório mais pareciam um açude atingido pela estiagem. Peixes agonizavam na busca por oxigênio, em cima de uma fina camada de água. Nem parecia que era ali mesmo que o recurso, em estado bruto vindo do Guandu, recebia sua primeira etapa de tratamento, com doses de sulfato de alumínio, substância responsável por transformar as partículas de sujeira em flocos.

O limo acumulado nas paredes dos canais foi retirado com pás especiais por trabalhadores%3A para isso%2C a estação teve que ser esvaziadaFabio Gonçalves / Agência O Dia

A menos de dez metros dali, homens munidos com pás removiam a grossa camada de limo dos tanques de decantação. A limpeza seria impossível num dia normal, em que as profundas galerias se transformam em corredeiras. “Se descansar, é capaz da água ‘me engolir’”, divertia-se o operário Walter Silveira, 48 anos. Com “um olho na pá e outro na comporta”, como repetia, Walter sabia que os segundos eram valiosos até que o fluxo natural fosse retomado.

A grande movimentação de pessoas por ali só contrastava com a calmaria dos tanques de tratamento laboratorial. Sem água, não havia necessidade da desinfecção com cloro, tampouco equilíbrio de acidez com cal ou fluoração.

Selfies

A três quilômetros dali, na Elevatória do Guandu, mais um ‘batalhão’ de funcionários corria contra o tempo para instalar duas válvulas manuais de alta potência. Serão elas que garantirão o reforço para a demanda extra gerada pelo calor, a partir da primeira semana de dezembro. Mas é claro que, entre um aperto de parafuso e outro, trabalhadores aproveitavam para se divertir e tirar uma ‘selfie’ dentro das enormes tubulações. Cá entre nós, se o serviço foi finalizado tal qual planejado, eles mereceram.

Cariocas decidem, na última hora, viajar no feriadão para não ficar sem água

A possibilidade de falta d’água por causa da manutenção no Guandu influenciou muitas famílias, que não tinham planejado viajar neste feriadão, a deixar o Rio na última hora. É o caso do funcionário público Leandro César de Oliveira, de 28 anos, de Brás de Pina. Na noite desta quarta, Leandro, a mulher, Mariana, 29, e o filho de oito meses, viajaram para Saquarema, na Região dos Lagos.

“A probabilidade de o bairro ficar sem água é muito grande, já que o abastecimento sempre foi escasso por aqui. Imagina ficar com as torneiras secas e com o bebê em casa? Então, achamos melhor passar uns dias fora”, comentou.

Uma nova válvula é instalada por profissionais especializadosFabio Gonçalves / Agência O Dia

O auxiliar de escritório Jonathan Benevides, 39, que mora no Engenho de Dentro, com a esposa e três filhos pequenos, fez o mesmo. “Vou subir a serra e ir para um hotel em Penedo. Vamos gastar um bom dinheiro e pegar engarrafamentos, mas não importa. Não quero nem pensar em ficar sem água”, justificou. O movimento nas saídas do Rio foi intenso nesta quarta. Às 18h, o tempo de travessia da Ponte era de 46 minutos no sentido Niterói. A concessionária estima que 93 mil veículos deixem o Rio pela via nesta quinta-feira.

Na volta, entre domingo e segunda, a expectativa é de 153 mil veículos. A Rodoviária Novo Rio espera que 209 mil pessoas passem pelo terminal até domingo. Só ontem, o movimento foi de mais de 27 mil pessoas, com 110 ônibus extras. Segundo o Instituto Climatempo, fará sol em todo estado até a noite de sábado, com temperaturas acima dos 30 graus. Só chove no domingo.

Cedae diz que não haverá racionamento

De acordo com o gerente de produção da Estação de Tratamento do Guandu, Edes Fernandes, o Rio não deve passar por racionamentos ou falta de água similar à de São Paulo. “A única possibilidade de enfrentarmos quadro similar seria se não chovesse mais até março. Embora não estejamos operando com o limite ideal, ainda estamos longe de trabalhar com o volume morto, que é o nível de recursos que não gera energia”, explica.

Na Praça da Bandeira%2C caminhões-pipa não conseguiram abastecerJoão Laet / Agência O Dia

De acordo com ele, após as manutenções desta quinta-feira, o sistema de válvulas e bombas de propulsão pode ter vida útil de até mais vinte anos. O esquema de interrupção do serviço vinha sendo planejado há seis meses para gerar o mínimo de contratempos possível.

Fornecimento deve começar a voltar às 8h

As empresas especializadas em abastecimento de caminhões-pipa penaram nesta quarta-feira. Quem buscava água em uma fornecedora da Praça da Bandeira, por exemplo, esbarrava na falta d’água, durante todo o dia. O mesmo quadro foi visto em quase todos os postos do Rio.

Apenas em áreas próximas à Estação do Guandu, como Nova Iguaçu e Seropédica, encontrava-se água. Mesmo assim, o serviço que habitualmente leva 30 minutos era concluído em até duas horas por conta da baixa pressão. Já vendedores de galões d’água potável faturaram alto.

“Não aguento mais pedalar, já fiz mais de 20 entregas. O sol turbinou também as vendas”, disse o entregador de Nova Iguaçu, Robson Alves, 29. Em nota, a Cedae informou que como a paralisação do serviço foi previamente avisada, não há hipóteses de ressarcimento aos empresários do setor. De acordo com a empresa, o serviço será normalizado às 8h desta quinta na maior parte do sistema. Porém, nas ‘pontas da rede’ (bairros mais altos e distantes), a regularização pode demorar mais 48 horas.

Colaboraram Francisco Edson Alves e Lucas Gayoso

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