Por nicolas.satriano
Valnei%2C que trabalha há 27 verões fazendo soldas com o maçarico%2C traduz seu trabalho%3A “Escaldante”Paulo Araújo / Agência O Dia

Rio - O vento provocado pela passagem dos carros não é alívio para os soldadores de uma obra na Rua Frei Caneca, no Estácio. Quando o maçarico atinge a ferragem, a brisa espalha a faísca para perto da pele — coberta pela espessa roupa de segurança. Enquanto os trabalhadores secavam o suor, a noite de segunda-feira demorava a chegar. Longe da sombra e entre os entulhos da construção, eles continuavam seu trabalho.

Aturar a sensação térmica beirando os 50 graus é mais difícil dentro de um uniforme de segurança. Há 27 verões trabalhando com solda, Valnei Costa desligou o maçarico para dizer uma única palavra quando percebeu que a equipe de reportagem registrava o seu trabalho: “Escaldante”. A alguns metros de distância, o serralheiro Marco Aurélio Gomes, de 41 anos, entrava no buraco para preparar a fundação de uma grade. O calor é tal que chega a ser contraditório: “Aqui dentro esquenta tanto que dá até frio na espinha”.

Na rua ao lado da construção, o motorista Iranildo Santos, de 46 anos, acelera até Vila Isabel. No ônibus sem ar-condicionada, o único jeito de se refrescar é jogar água no corpo e dobrar a calça até o joelho. “É um bafo tão forte quanto o que você sente quando abre o forno. Imagina sentir isso o dia inteiro”, afirmou. Ele cobrou uma mudança no vestuário: “Não faz o menor sentido a gente não poder usar bermuda. Mas só mesmo com o ar-condicionado resolve”.

Para cumprir o horário, os funcionários de uma empresa de carga se apressavam para levar as caixas de um caminhão para um restaurante da Praça Vanhargem, na Tijuca. Além de suportar o peso, eles precisam usar roupas pesadas para evitar acidentes, como cortes . “Acho que a gente deveria poder usar bermuda, mas são normas da empresa, então respeitamos. O pessoal que não está acostumado fica com tonteira e já vi muitos passando mal”, afirmou Valter Bretas, de 56 anos.
O motorista de ônibus%2C sem ar%2C Valter. Para ele%2C o jeito é jogar água no corpo e dobrar a calça até o joelho Paulo Araújo / Agência O Dia

Além do desconforto, a calor representa um perigo a mais para os garis que trabalham pendurados nos caminhões da Comlurb. “O ferro que a gente segura fica fervendo. Mesmo com luvas, nossas mãos ficam pelando”, disse. “A gente já fica meio sem energia debaixo desse sol. Para alguém cair do veículo, não custa nada”, alertou o gari Vicente Dias, de 55 anos, enquanto varria uma calçada no Engenho Novo.

Depois de uma tarde de trabalho, o churrasqueiro Ivan Pereira, de 38 anos, comemorava a hora de voltar para casa: “Dá vontade de dormir debaixo do chuveiro. Mas amanhã tem mais”.

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Rio de Janeiro com pouca chuva
Segundo o Instituto Climatempo, a previsão para os próximos dias é que o calor passe dos 40 graus, com sensação térmica de mais de 50 em alguns bairros da Zona Oeste. De acordo com a meteorologista Bianca Lopes, as altas temperaturas registrada nos últimos dias vão continuar. O calor se deve a um sistema de alta pressão, que inibe a formação de nuvens e estimula a diminuição da umidade do ar.
Bretas%3A calça comprida para evitar cortes e pressa para cumprir horárioPaulo Araújo / Agência O Dia

“É algo atípico, que tem gerado uma massa de ar quente sobre todo o Sudeste, Nordeste e trechos do Centro-Oeste. Por conta disso, a previsão é de que as chuvas para a estação sejam abaixo da média”, afirmou.

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O calor vai continuar até o fim da semana quando a massa de ar quente enfraquece e o tempo começa a mudar. “Vai aumentar a formação de nuvens e a umidade. A temperatura também vai baixar um pouco”, disse Lopes. A previsão para hoje é mínima de 22 graus e máxima de 40.
Os riscos
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Trabalhadores que labutam ao ar livre estão mais sujeitos aos efeitos da exposição prolongada ao sol é grande: envelhecimento prematuro, pele mais frágil e suscetível a ferimentos e sangramentos, propensão ao desenvolvimento de câncer de pele, catarata, insolação e desidratação.
O médico Egon Daxbacher, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia do Rio de Janeiro, explica: “O organismo tenta se adaptar à temperatura e dilata o tamanho dos vasos sanguíneos para compensar o calor, assim a perda de água aumenta. É um mecanismo natural do corpo”.
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Para Daxbacher, devido à incidência dos raios ultra violeta, o ideal é que os trabalhadores usem roupas que cubram todo o corpo. Ele reconhece, porém, que é um conselho ingrato. “O jeito é dobrar os outros cuidados", disse. Uso de roupas leves, protetor solar, óculos, chapéus e bonés são indispensáveis, além da hidratação para compensar a perda de líquidos.
Reportagem de Lucas Gayoso
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