Por nicolas.satriano
Rio - O principal reservatório do sistema que abastece a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o Paraibuna, na Bacia do Rio Paraíba do Sul, atingiu, na quarta-feira, o chamado volume morto, que não permite mais a geração de energia.
É a primeira vez, desde a sua criação, em 1978, que a represa, localizada no Estado de São Paulo, atinge esse nível. De acordo com o relatório do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), divulgado nesta quinta-feira, a Usina Hidrelétrica Paraibuna foi desligada, e o restante da água que está na represa, 2,096 trilhões de litros, será usada para dar vazão ao sistema e para o consumo.
Publicidade
No Rio, diferentemente de outros estados, os reservatórios têm a função de geração de energia e de abastecimento humano e são de propriedade das usinas. Segundo a Secretaria estadual do Ambiente, porém, no momento, não há previsão de falta de energia e nem de água. De acordo com Agência Nacional de Águas (ANA), desde ontem, o reservatório começou a usar a água do nível abaixo do limite operacional para geração de energia elétrica, e o volume útil está em 0,08%.
Estação de Tratamento do Guandu%2C que abastece a Região Metropolitana do Rio de Janeiro%2C recebe água do sistema do Rio Paraíba do SulFabio Gonçalves / Agência O Dia

Para usar o volume restante de água, diversamente do que ocorre na reserva do Sistema Cantareira, em São Paulo, não serão necessárias obras, pois a água é acessível por gravidade. Em São Paulo, intervenções foram feitas para a instalação de bombas capazes de acessar o volume morto.

Paulo Carneiro, pesquisador do Laboratório de Hidrologia da Coppe/UFRJ, alerta que a grande preocupação no momento é o modo como se dará o uso do volume morto. Carneiro explica que essa reserva de água funcionará como uma grande caixa d’água, que ajudará a dar vazão a todo o sistema e permitirá que a estação de tratamento do Guandu, que abastece a Região Metropolitana do Rio, possa continuar operando normalmente.
Publicidade
“É importante que seja usado. Se não usar o volume morto, a água que vai correr pode não contar com a vazão necessária”, explicou o pesquisador. Segundo ele, sem a pressão ideal, não ocorrerá a transposição na barragem de Santa Cecília, em Piraí, que fornece água para o Rio Guandu.
Carneiro diz que é preciso planejar a vazão a longo prazo, já que as chuvas do verão estão abaixo do normal, e o inverno é, em geral, uma estação seca. “As vazões vão ser permanentes ou vão flutuar? Qual vai ser a regra de operação?”, questionou. A ANA informou ontem que, por ora, as vazões atuais estão mantidas, mas o volume total da reserva acessível por gravidade ainda está sendo estudado.
Publicidade
O presidente da Cedae, Jorge Briard, disse, em solenidade em Angra dos Reis, que 2015 é o ano que começa com o menor volume de água em todo o estado desde 1991.
Falta de campanhas para economia é criticada
Publicidade
?O presidente do Conselho estadual de Recursos Hídricos (Cerhi-RJ), Décio Tubbs, criticou ontem a falta de planejamento e de campanhas do governo para a conscientização na economia de água.
“Esse problema está maior agora por causa da falta de planejamento dos governantes. Nossas autoridades foram frouxas quando precisavam aconselhar a população a economizar água. Agora é torcer para chover e que o governo pense melhor na próxima crise, que não está longe”, afirmou Tubbs.
Publicidade
O professor da Coppe/UFRJ Paulo Carneiro ressaltou também a falta de dados concretos sobre a gravidade da situação. “O que me causa espécie é que já estamos entrando no volume morto, e nenhuma informação mais contundente aparece. Fica parecendo que está tudo sob controle, e não está”, afirmou.
O pesquisador explicou, que diferentemente de São Paulo, são diversos os usos de consumo das barragens do Paraíba do Sul, e agora todos precisam ser reavaliados. Em caso de falta de água, ele avalia que os locais que já têm dificuldade de distribuição (distantes ou mais altos) serão os primeiros a ser afetados, o restante vai depender do operador do sistema.
Publicidade
Segundo a Firjan, 30% das indústrias já são prejudicadas pela crise hídrica
O baixo nível dos reservatórios de água já prejudica 30% das indústrias fluminenses. Isso é o que aponta pesquisa da Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan). Segundo o levantamento, das 487 empresas consultadas, metade afirma que o principal efeito sentido foi o aumento do custo de produção, o que pode afetar o bolso do consumidor.
Publicidade
Segundo Abílio Faia, coordenador de segurança e meio ambiente da Fábrica Carioca de Catalisadores, a empresa já enfrenta problemas por conta da diminuição da vazão do canal de São Francisco, abastecido pelo Rio Guandu, em Santa Cruz. Com a redução, o mar está entrando no canal, salinizando a água do canal. “Nosso abastecimento fica sanilizado durante um período de 5 horas, e só quando a maré baixa voltamos a ter água de qualidade”, disse o executivo.
Clique na imagem para visualizar o infográficoArte O Dia

De acordo com ele, a quantidade de água doce ainda é suficiente, mas a previsão é que a situação piore em alguns meses. “A tendência é reduzir mais, e teremos que adquirir um sistema que permita dessanilizar a água ou comprar da Cedae”, prevê. Abílio Faia estima que isso representaria um aumento de 25% no custo da captação de água, o que poderia aumentar em até 10% o preço dos produtos da fábrica.

Gerente-geral de Meio Ambiente da Firjan, Luis Augusto Azevedo, alertou para a conscientização das empresas e da população. “Se não enfrentarmos seriamente a questão do saneamento, buscarmos novas fontes e tecnologias, e estimularmos a população e as empresas a economizar, a demanda por água será superior à capacidade de oferta”, avalia.

Na Baixada, população apela para poços artesianos

Com o objetivo de não ficar com as torneiras secas, moradores de diversos municípios da Baixada Fluminense e Região Metropolitana, apelam com cada vez mais frequência para os poços artesianos, que nem sempre saem baratos. A qualidade da água nem sempre é levada em conta.]
Publicidade
De acordo com a diarista Jorgenete dos Santos, de 59 anos, que mora numa vila que abriga dez famílias, no bairro Éden, em São João de Meriti, por exemplo, os moradores da região dão “graças a Deus” quando o local escolhido para a perfuração jorra água.
“Isso é raro. A qualidade não importa, a gente ferve e fica tudo bem. Se for ruim demais, muito salobra, só usamos para lavar banheiro e roupa”, explica Jorgenete. Ela e os vizinhos pagaram R$ 4 mil por uma cisterna de 40 metros de profundidade onde foi encontrado o veio d'água.
Publicidade
Diariamente, têm que levar a mangueira até suas caixas e abastecê-las. “Há oito meses tem sido assim, a Cedae nem manda mais a conta”, diz o técnico em refrigeração José Roberto da Silva, 45.
Ministro: País pode ter grave problema de energia
Publicidade
O ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, disse ontem que, se os reservatórios das hidrelétricas brasileiras chegarem a níveis menores que 10% da capacidade máxima, o país poderá ter “problemas graves”, e o governo tomará as “medidas necessárias”, que podem incluir o racionamento de energia. Atualmente, os reservatórios do sistema Sudeste/Centro-Oeste estão em 17,43% de sua capacidade máxima e os da região Norte, em 17,18%.
“Mantido o nível que temos hoje nos reservatórios, temos energia para abastecer o Brasil. É óbvio que se tivermos mais falta de água, se passarmos do limite prudencial de 10% nos nossos reservatórios, estamos diante de um cenário que nunca foi previsto em nenhuma modelagem”, disse Braga.
Publicidade
Nos estados de São Paulo e Minas Gerais, o racionamento de água está cada vez mais próximo. Decisão da Agência Nacional de Águas (ANA), publicada ontem no Diário Oficial da União, estabelece que as companhias de saneamento básico, indústrias e agricultores de 38 cidades paulistas e quatro mineiras terão de reduzir a captação de água nos rios Jaguari, Camanducaia e Atibaia sempre que a vazão cair para limites entre 4.000 litros por segundo e 1.500 litros por segundo. A medida se aplica ainda quando o volume útil das represas Jaguari, Jacareí, Cachoeira e Atibainha, do sistema Cantareira, atingir 5%.
O nível de 5% foi alcançado na primeira metade de junho de 2014, quando o Cantareira passou a captar apenas a água do “volume morto”. A 6ª edição da pesquisa Indicadores de Referência de Bem Estar no Município mostrou que oito em cada dez paulistanos acreditam que é grandeo risco de acabar a água na cidade.
Publicidade
A escassez levou a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) a fazer solicitação ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas para que seja decretada “situação hídrica crítica”, que dá poder à estatal de adotar o racionamento e de aumentar as tarifas.
Publicidade
Publicidade
Colaboraram Lucas Gayoso e Vinícius Amparo
Publicidade