Por thiago.antunes
Rio - As 25 vítimas de balas perdidas nos últimos 15 dias fizeram com que aumentasse a preocupação da população com a quantidade de armas que circula no estado. Durante a semana, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, reivindicou melhor policiamento nas fronteiras do Brasil para barrar este fluxo. Mas as estatísticas estaduais de violência demonstram que tampouco a polícia do Rio tem avançado no combate às armas: os últimos seis anos registram redução significativa de apreensões no estado.
De acordo com os dados do Instituto de Segurança Pública do Rio no relatório de Tráfico de Armas produzido pela ONG Viva Rio, entre 2003 e 2008, a média de apreensões era de 14.883 por ano. A partir de 2009, quando teve início a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora, a taxa caiu para 8.570, como o DIA verificou no ISP. É uma diminuição média de 42% em relação ao período anterior à pacificação, quando o estado registrava taxas alarmantes de homícidios.
Nos últimos seis anos%2C caiu quase à metade o número de armas recuperadas pela políciaArte%3A O Dia

Nas próprias UPPs, a quantidade de armas apreendidas caiu drasticamente. No Jacarezinho, por exemplo, nos seis anos anteriores ao processo de pacificação, 202 armas foram acauteladas pela polícia. Desde a criação da UPP, em 2012, somente sete foram apreendidas. Já em Manguinhos, cuja pacificação começou no mesmo ano, o número, que era de 70, foi a zero. Na Rocinha, eram 128 antes e, nos últimos três anos, soma apenas 41. Na UPP do Alemão, caiu de 23 a oito.

Para Robert Muggah, conselheiro de segurança pública do Banco Interamericano de Desenvolvimento, das Nações Unidas e do Banco Mundial e diretor de pesquisas do Instituto Igarapé, esses dados mostram que falta inteligência da polícia nas investigações sobre o combate ao tráfico de armas.

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“No Alemão, Maré e outras comunidades, há falta de policiamento inteligente que dê menos tiro e tenha menos confrontação e mais ações pontuais dirigidas por inteligência”, afirma Muggah. “É por isso que a gente tem enfrentado tantas balas perdidas e violência nas últimas semanas e meses. Esse é um grande problema.”
Para ele, o momento não reflete uma eclosão atípica do tráfico ilegal de armas. “Não vejo um grande acréscimo. Há algum crescimento nacional de produção de armas e munição do Brasil, mas para exportação. Isso aumenta a oferta. Mas o problema é que, cada vez que falamos de armas e de crescimento de violência no Brasil, sempre falamos que as armas vêm do Paraguai ou Colômbia, porém na realidade a maior parte das armas vêm daqui”, diz o especialista.
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Até o governador Luiz Fernando Pezão parece discordar de Beltrame sobre a atuação das forças federais nas fronteiras. “A Polícia Federal tem nos ajudando muito, nos informado muito. Há grande parceria entre os organismo de informação, entre as policiais de estados e de fronteira”, elogiou Pezão na sexta-feira.
Procurada, a assessoria de imprensa da Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) informou que a redução das apreensões de armas está associada à chamada “intervenção tática”, grandes operações que antecedem as UPPs. “Quase sempre há registros de grandes apreensões de armas”, diz a nota da CPP.
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Só 14% vêm de outros países
Rastrear o caminho das armas até as mãos dos criminosos no Rio não é tarefa fácil. Tanto que o roteiro só foi traçado por completo nas pesquisas ‘Mapa do Tráfico Ilícito de Armas no Brasil e Ranking dos Estados no Controle de Armas’, publicadas em 2010 e produzidas pela ONG Viva Rio, em parceria com o Ministério da Justiça.
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Diferentemente do que foi discutido semana passada, o principal problema para a polícia não é o tráfico internacional e sim o comércio ilegal dentro do próprio estado. A pesquisa apontou que 69,85% do armamento apreendido no Rio foram desviados em território fluminense. Outros 15,80% são provenientes de outros estados e apenas 14,09% são do tráfico internacional. O estudo também destaca o fato de que 83% dessas armas são de fabricação nacional.
O mesmo dado foi colhido durante a Comissão Parlamentar de Inquérito de 2011 da Assembleia Legislativa do Rio. Além de reapresentar as informações, a CPI também mostrou como a falta de integração entre os sistemas de cadastro e rastreamento da Polícia Federal e do Exército, responsável por identificar o armamento nacional, dificultava a fiscalização e facilitava o desvio de armas inclusive do poder público, estimado em 20%.
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Procurados, a Polícia Federal e o Exército não responderam se o sistema já possui interligação. A Polícia Civil do Rio informou por nota que a Coordenadoria de Informação e Inteligência Policiais (Cinpol), conta com um núcleo responsável pelo rastreamento das armas apreendidas. O órgão possui um banco de dados e os agentes que atuam no local recebem treinamento. Ainda segundo a nota, há comunicação com a PF, Exército, além da PM, empresas fabricantes e os órgãos estrangeiros.
'O problema são as armas longas'%2C diz BeltrameBanco de imagens

'O problema são as armas longas', cinco minutos com José Mariano Beltrame

O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, defende que a redução no número de apreensão de armas é reflexo da instalação das UPPs. Alega não estar satisfeito com a produtividade policial em geral, mas diz que a ostentação de armamento nas áreas pacificadas diminuiu. Sobre a ‘chuva’ de balas dos últimos dias, explica que é um ponto fora da curva em oito anos. Garante empenho para não continuar ‘enxugando gelo’ e tem encontro com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, dia 4, no Rio.

1.Por que há redução de apreensões em áreas de UPPs que convivem com os tiroteios?
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—Houve retirada de armas longas no Alemão. Na Rocinha, há mais de cem mil moradores e duas ruas, o acesso é difícil. Mês passado, apreendemos, por exemplo, 242 pistolas; submetralhadora; 47 granadas e 39 fuzis. Encontramos pistolas Glock austríacas, com outros acessórios, que viram submetralhadora. Isso é novo. Pegamos quatro AK-47, fuzis russos novos.
2. CPI das Armas de 2011 diz que 80% das apreensões são de armas nacional. E as balas perdidas?
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— O problema são as armas longas. A maioria dos fuzis é de fabricação estrangeira. Fechar as fronteiras beneficiaria os 27 estados. Um tiro alcança dois quilômetros. Muitas vítimas de bala perdida podem ter sido atingidas por estilhaço de fuzil. Segurança pública não é polícia. Há o Ministério Público, o Judiciário e outros órgãos. No caso dos jovens, o Estado tem que concorrer com o tráfico.
3. A falta de comunicação entre os bancos de dados das polícias dificulta as investigações?
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—Não. Trocamos informações. Precisamos é de um cadastro de identificação único. Hoje, um cidadão pode tirar identidade em todos os estados. Temos que mudar a legislação. Luto pela redução da maioridade penal e aumento de pena para crimes, como o de receptação.
4.A delegacia especializada em armas foi extinta. Como é feito o rastreamento ?
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— O serviço de Inteligência da secretaria recebe as informações e repassa. Ressalto que em áreas de UPPs, a taxa de homicídio é de 8 por 100 mil habitantes, considerada europeia.
5. Mas todos os índices de criminalidades aumentaram.
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—Apesar da atividade policial , os índices recrudesceram. É efeito da lei. Para pena de até quatro anos, o regime de cumprimento não é fechado. A resposta é investigar e desarmar os criminosos. O orçamento de R$ 9 bilhões será mantido e investiremos em equipamentos.
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