Por bianca.lobianco

Rio - Há uma semana o prédio do extinto Hotel Planalto, no Centro, é a nova morada de 30 pessoas desocupadas do edifício Hilton Santos, cedido ao empresário Eike Batista. Em 2011, o local foi anunciado como um “hotel charme” que receberia investimento de um grupo escocês. Tudo no embalo do aumento de quartos para os grandes eventos. O plano, porém, se perdeu no tempo.

Hoje a única luz que ilumina os corredores vem da lanterna do celular. Foi encontrada uma conta da Light no valor de R$ 15 mil. Nas torneiras não há uma gota d’água. O cheiro de desinfetante é forte e mesmo a força-tarefa de limpeza dos novos moradores feita na última madrugada ainda não deu conta da poeira acumulada. “Mas estamos abrigadas da chuva e do relento”, conta Valéria de Mello, 48 anos, uma das coordenadoras da ocupação. Do total do grupo, ao menos 18 são crianças.

Fotos: Ocupantes do Hotel do Planalto vivem na sujeira, sem luz e sem água 

Ibson, no centro, e a avó, Ana Célia, à esquerda: ela sustenta o menino com o dinheiro que recebe como camelôDaniel Castelo Branco / Agência O Dia

Depois de deixarem o Hilton Santos, em protesto, o grupo de quase 200 pessoas foi para a Cinelândia, mas conflitos começaram a surgir com a guarda municipal. Os desalojados se dividiram e uma parte ocupou um prédio na Rua do Resende, outros passaram a acampar na Praça da Cruz Vermelha até descobrir o Hotel Planalto.

Na nova ocupação, o grupo espera encontrar um caminho melhor de negociação com o poder público. Valéria já organizou o seu espaço em um dos 30 quartos do prédio. Não há muito o que colocar ainda. Um colchão, algumas cobertas, roupas e uma pequena mesa. É ali que ela vai mudar a história de uma vida inteira sem moradia própria. “Não quero casa de graça do governo. O que eu quero é poder pagar, nas minhas condições”, declara.

Ex-presidiária, Valéria explica a sua conturbada trajetória pessoal. Abandonada pela mãe aos 13 anos, foi criada pelo pai até ele falecer alguns anos depois. A casa onde morava, herança do pai, se tornou uma disputa interminável na família. As mesmas brigas a colocaram na rua. Mais tarde veio a entrada no mundo do crime. Presa por roubos à joalherias em 1999, ela cumpriu pena de cinco anos em regime fechado. “Na prisão, resolvi terminar a escola. Eu não tinha feito o segundo grau”, conta. Valéria começou a escrever e ganhou concursos de poesia feitos no sistema prisional. Um coordenador do projeto se empolgou e convidou-a para reunir as poesias em um livro que se chamou “Portão Azul”.

O livro resultou em uma bolsa de estudos para o curso de Direito na universidade Cândido Mendes. Em 2004 deixou a prisão e descobriu que tinha direito a uma pensão de R$ 400 do pai e que a mãe recebia indevidamente. “Eu pagava o aluguel que era R$ 210. Mesmo com a bolsa da faculdade, tinha livros, xeróx, comida...não dava e eu voltei a furtar”, admite. Foi presa novamente um ano e meio depois. Deixou a cadeia pela última vez em 2011. “Nunca consegui emprego por causa dos meus antecedentes criminais”, diz ela, que ajuda a sustentar um neto de 8 anos com a pensão ajustada agora em R$ 1.800.

Greyce com os filhos Rafaela e Luis Felipe, que estavam com a avóDaniel Castelo Branco / Agência O Dia

Desde que deixou a prisão, ela tenta uma casa no programa Minha Casa Minha Vida. Sem sucesso ou condições de arcar com a alta dos alugueis do Rio, ela passou a integrar os movimentos de ocupação de prédios abandonados como a da Telerj/Oi, Cedae e o Hilton Santos.

Avó e neto lutam por um quarto

Quando Ibson, 10 anos, pergunta a avó Ana Célia Silva, 53 anos, o motivo de eles não terem uma casa parar morar, ela explica ao menino que um dia as coisas vão mudar. Ele não gosta do assunto. Abaixa a cabeça e fecha os olhos. “O Ibson não fala disso porque começa a chorar”, conta Ana Célia.

A avó cuida do menino desde que ele nasceu porque a mãe o abandonou com o pai. Ela o sustenta com os R$ 600 que consegue ganhar com o trabalho de camelô vendendo bala no Centro do Rio. Apesar da falta de moradia, Ibson não deixa de frequentar a escola. “Gosto de matemática, mas quero ser jogador de futebol”, diz ele, fã de Neymar”, em meio a uma crise de tosse.

Ibson é a terceira geração de uma vida difícil. A avó deixou Fortaleza com 23 anos achando que a proposta de trabalhar como empregada doméstica na casa de uma família em Laranjeiras, na Zona Sul, mudaria a vida difícil que levava no nordeste. Foi um engano. “Virei uma escrava. Ganhava apenas a morada e a comida”, desabafa.

Um ano depois ela deixou o lugar e passou a trabalhar como camelô. Assim criou três filhos. A vida ficou mais difícil com a alta dos alugueis e ela também aderiu aos movimentos de ocupação de prédios. “Não sei o que vai ter no almoço, mas pelo menos não ficamos na chuva. Estamos abrigados”, conta.

Família reunida

A ocupação no Hotel Planalto permitiu que a família de Greyce Gomes, 21 anos, pudesse se reunir novamente. Mãe de três filhos, ela e o marido não viam Rafaela, e Luis Felipe desde a desocupação do prédio no Flamengo. “Tive que deixar eles com a minha mãe em Queimados porque tinha medo da violência”, conta ela. A bebê de sete meses é a única que segue na casa da avó.

Um desejo de Greyce é recolocar os filhos na creche, já que com a instabilidade de moradia os dois tiveram que parar de frequentar a escola. “Não podia botar eles para dormir em qualquer lugar e não ter nem direito como garantir o que comer”, explica.

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