Por felipe.martins

Rio -  ‘Patrão, o trem atrasou/ Por isso estou chegando agora/’, O samba é do Carnaval de 1941, mas o tormento ainda é dos dias de hoje. Segundo os últimos dados da Agência Reguladora de Transportes do Rio (Agetransp), obtidos pelo DIA, uma em cada cinco viagens de trem da SuperVia não sai no horário — e um terço dos atrasos não é justificado.

Segundo a agência, a concessionária tem o direito, por contrato, de atrasar até 17% de viagens sem justificativa, durante a chamada “fase de investimentos” da SuperVia. Portanto, para a agência, o índice estaria em conformidade com o contrato, uma vez que, das 25.953 viagens realizadas no mês de maio, 1.855 demoraram sem nenhuma razão aparente.

A Agetransp entende como ‘atrasos justificados’ os que acontecem devido a obras de manutenção ou a ações de terceiros, como pessoas que jogam objetos nos trilhos ou impedem que as portas sejam fechadas. Já os ‘atrasos irregulares’ ocorrem por problemas na sinalização, por exemplo.

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Na última terça-feira, mais um atraso nos trens revoltou os usuários do modal. Passageiros registraram intervalos de até 30 minutos, na página da SuperVia no Facebook, e outros reclamaram que ficaram parados até 15 minutos nos trens ou espremidos nas passarelas. A SuperVia justificou o problema devido “a uma ocorrência próximo a Madureira”, que afetou a circulação dos ramais Santa Cruz, Japeri e Deodoro, pedindo desculpas pelo transtorno.

MAL-ESTAR

Para o economista Vitor Mihessen, da ONG Casa Fluminense, que analisa dados do Rio, além das perdas monetárias, o tempo gasto pelo trabalhador durante o deslocamento diário também interfere no seu bem-estar. “Em nenhum outro lugar do mundo os trabalhadores precisam enfrentar tanta distância e tanto tempo para alcançar um posto decente de trabalho que faça jus às horas passadas longe da família, do estudo e de qualquer outra atividade mais prazerosa do viajar amassado numa condução”, diz.

Professor do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ, Ronaldo Balassiano, ressalta que, além de aumentar o estresse do trabalhador, os atrasos diminuem sua produtividade. “Além das horas trabalhadas, eles também têm que lidar com problemas na ida para o trabalho. Hoje, o trabalhador sai de casa e não tem a garantia se vai chegar na hora ou não ao emprego, mesmo saindo de casa na hora perfeita para eles”, diz.

Balassiano também alerta que esta situação deve durar até a Olimpíada de 2016, quanto deverão acabar as obras de infraestrutura dos trens. “É um momento em que os passageiros devem ter alguma paciência. A SuperVia está se modernizando para atender demanda que cresceu”, afirma.

‘Já fui empurrada, amassada, ameaçada com faca e tesoura’, diz Tássia di Carvalho, repórter do DIA

Intervalos irregulares, composições quentes e superlotadas. Não precisa ser nenhum gênio para ter ciência de que alguma confusão surgiria. Sim, surgia diariamente nos dez anos em que fui cliente da SuperVia, pegando as composições do ramal Belford Roxo. Já fui empurrada, amassada, ameaçada com faca e tesoura, xingada e desrespeitada. Já tive punho preso em porta, já desmaiei dentro da composição. Aí você pergunta: “E por que você andava nisso?” Porque precisava, precisava trabalhar, precisava estudar e, querendo ou não, o trem é o meio mais rápido para que moradores da periferia possam chegar à ‘metrópole’.

Na primeira chance que tive, troquei de horário no trabalho e imaginei que, pegando à tarde, não sofreria tanto. Ledo engano. Quem viaja ao meio-dia tem que dividir bancos com usuários de drogas, até cracudos. E ai de você se ao menos olhar na direção de um deles, sob risco de apanhar. E os guardas? Bom, quando eles veem algo errado e estão na composição normalmente saem, para não serem tachados de coniventes. Quem é mais delinquente?

A minha solução foi me mudar para um lugar em que não precisasse mais colocar minha vida sob um risco tão grande!

Patrão deve entender atraso devido aos trens. Produtividade cai 30%

Para o presidente da Associação Comercial do Rio, Paulo Protasio, os patrões devem ter flexibilidade no horário de chegada de funcionários que usam os trens em dias de atraso. “Todos sabem o que está acontecendo e que o sistema de transportes de hoje está caótico. Por isso, patrão e funcionário acabam desenvolvendo uma relação de confiança. O empresário que não fizer isso está por fora da realidade. Ele não tem saída” explica.

Segundo Protasio, os atrasos representam uma queda em cerca de 30% da produtividade no trabalho. “Hoje, com a crise, os empresários estão matando cachorro a grito, e o número de trabalhadores é essencial para que mantenham as suas atividades. Se há algum desfalque, a produção diminui”, argumenta. O tempo de produção é contado”, disse.

Questionada sobre a quantidade de atrasos, a assessoria de comunicação da SuperVia respondeu que, como resultado de investimentos, tem colocado em prática novos planejamentos operacionais e a criação de novas linhas, que já possibilitaram a redução dos intervalos entre as partidas das composições e aumento da oferta de lugares, proporcionando viagens cada vez mais rápidas e confortáveis.

“Reflexo disso é a melhora dos índices operacionais, como pontualidade (em 2011 era de 90% e hoje está em 93%, acima do exigido pelo contrato de concessão), regularidade, aderência e MKBF (quilômetros rodados pelo trem sem apresentar falha) e, consequentemente, da confiança do passageiro, que nos permitiu aumentar o número de pessoas transportadas de 450 mil passageiros por dia, em 2011, para 670 mil passageiros atualmente”, alegou.

Desde 2011, quando a atual gestão assumiu a administração da SuperVia, o sistema ferroviário fluminense tem recebido um investimento de R$ 3,3 bilhões, devido à parceria com o governo do estado. O repasse será feito até 2020.


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