Por felipe.martins

Rio - As histórias de vida de X e Y se cruzam além da amizade que as duas vizinhas de uma favela da Zona Norte dividem. As adolescentes de 16 e 17 anos fazem parte de um dos grupos que tem cometido arrastões na Zona Sul. Adolescentes, sem perspectiva de vida, não estudam. “Se minha mãe soubesse, bateria na minha cara, digo que meu namorado me deu o que levo para casa”, conta a de 17. Os itens incluem celulares, bolsas, relógios e joias, muitas joias. “Nós temos tudo. Se bobear, dança”, conta a de 16. E sonhos? “Sonhar pra que? A gente não vive no mundo de fadas não, a gente vive no mundo real. Quando crescer quero ser chefe da boca de fumo”, diz a garota sem esconder que vende o que rouba e compra droga.

Clique sobre a imagem para a completa visualizaçãoArte O Dia

O relato estarrecedor das adolescentes é o retrato dos jovens que espalham terror nos arrastões. Segundo levantamento feito pelas secretarias municipais de Direitos Humanos e de Desenvolvimento Social, 730 jovens de 12 a 17 anos foram apreendidos de novembro de 2014 a março deste ano na orla da Zona Sul. Desses, 86,68% eram negros ou pardos. Os jovens não estariam, segundo o estudo, cometendo nenhum ato infracionário, mas foram recolhidos pela PM.

Em nota, a Anistia Internacional repudiou: “As medidas adotadas para garantir a segurança pública não podem ser baseadas em estereótipos associados à juventude negra, não podem violar o direito dos jovens moradores das periferias de ir e vir.” Segundo Eduardo Alves, diretor do Observatório de Favelas, o estudo revela um estereótipo. "Fica claro que há um preconceito com negros e pobres circulando pela cidade. O governo deveria estar incluindo-os, facilitando a circulação, não os privando." Segundo ele, menos de um porcento dos moradores de periferia vão às praias com o intuito de cometer arrastões. "Eles vão apenas para se divertir, mas estão sendo privados disto", lamenta. 

“Esses jovens são reféns da falta do Estado. O caos que estamos vivendo é fruto da falta de oportunidade e estrutura familiar”, crê Mara Ribeiro, superintendente estadual de Igualdade Racial. “Precisamos nos mobilizar em prol dessa juventude.” Em nota a Polícia Militar afirmou que faz apreensão de jovens apenas em flagrante e que os jovens encaminhados aos abrigos da SMDS estavam em situação de vulnerabilidade na rua. 

Uniforme para driblar preconceito

Situada no Arpoador, a Igreja da Ressurreição vai uniformizar com camisa amarela cerca de 240 jovens e crianças que participarão da festa de Cosme e Damião, no domingo. A ideia é evitar que os fieis de comunidades da região (Cantagalo e Pavão-Pavãozinho), sejam confundidos como integrantes dos bandos que promovem arrastões.

Para o secretário executivo de Estudos da Religião, Pedro Strozemberg, a manobra não é um caminho. "Daqui a pouco, vai ter que ter crachá. Ações individuais são paliativas, temporárias e um descompasso de direitos", resumiu.

DEPOIMENTOS

“A gente não vive no mundo de fadas. Quero ser bandida, chefe da boca”

“Participo dos arrastões há muito tempo. Conseguimos telefone, bolsa, carteira, relógio. Não tenho medo de rastrearem telefone não, até hoje ninguém veio atrás. Moro com minha mãe, mas ela não sabe o que eu faço da vida, digo que foi o namorado que deu e ela acredita. A gente vai para a praia para roubar mesmo, a gente pega ônibus, bicicleta, vai andando. Pega o que for e vai pra lá, o negócio é chegar. Eu não tenho sonhos. Sonhar pra que? A gente não vive no mundo de fadas não, a gente vive no mundo real. Quando crescer quero ser bandida, chefe da boca.”

X, participante de arrastões, 16 anos

“Se minha mãe soubesse dos arrastões, bateria na minha cara”

“Não estudo nem trabalho, sou nova, quero me divertir. A gente fica com muita coisa que consegue na praia, outras a gente vende e ninguém pergunta de onde vem o bagulho. Eu quero curtir a vida, não quero historinha, nem mochila (filho). Já engravidei e tirei, o pai do bebê queria, mas eu não quero. Com o dinheiro que a gente ganha, compramos balinha (droga sintética), lança (lança-perfume) ou maconha, uso de tudo, menos crack que o bagulho é doido demais. Vamos em 20, 30 para a praia, todo mundo daqui. Se minha mãe soubesse dos arrastões, bateria na minha cara.”

Y, participante de arrastões, 17 anos


Policiamento reforçado na  Barra da Tijuca

A Polícia Militar garante que já tomou providências para evitar que os arrastões que aterrorizaram a Zona Sul no domingo passado cheguem às areias da Barra da Tijuca e do Recreio. Ontem, o comandante do 31º BPM (Recreio), tenente-coronel Sérgio Schalioni, solicitou aumento do contingente de policiais. “Já pedi reforço para as praias, mas ainda não sei a quantidade que será destinada”, contou o coronel.

A população da região também se mobilizou. “Temos um encontro na próxima semana com as duas polícias, representantes das associações de moradores e comerciais e queremos contar com a presença do Conselho Tutelar e das secretarias sociais do estado e da prefeitura", contou o presidente da ONG Barralerta, Kleber Machado.

“A praia é um espaço de lazer democrático e tem que continuar assim, porém sabemos que há pessoas mal-intencionadas e por isso é preciso policiar mais e melhor", avalia Kleber Machado. Segundo o comandante Schalioni, os pontos mais sensíveis da orla são os postos 8 e 12. "No primeiro há grande fluxo de banhistas que descem dos ônibus no Terminal Alvorada, o que deixa a areia muito cheia e isso atrai criminosos. O mesmo acontece no Posto 12. Ali, concentram-se muitas famílias com crianças. Com tanta gente na areia e no mar, nossa atenção precisa se multiplicar", explicou o tenente-coronel.

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