Por thiago.antunes

Rio - Ele veio, viu e se apaixonou. Mas, como todo bom estrangeiro que dá de cara com as contradições da cidade maravilhosa, se preocupou em deixar um alerta: a pacificação deve levar em conta os interesses dos moradores das comunidades.

Nascido Alexandre Farto há 26 anos, mas conhecido no mundo como Vhils, este português de Lisboa aproveita as demolições de casas em áreas classificadas como de risco para misturar, com martelo e talhadeira, arte e protesto.

“Acho importante chamar a atenção para essas práticas”, diz Vhils, por email, referindo-se às desapropriações nas favelas por conta do reordenamento urbano para a Copa de 2014 e os Jogos de 2016. "Tenho observado, ao redor do mundo, algo parecido, resultado de vários interesses que, na sua maioria, nada têm a ver com o bem-estar das populações”.

Alexandre Vhils posa diante de uma de suas obras mais impactantes na cidade%2C feita no entorno do Morro da Providência%2C em janeiro deste anoDivulgação

Enquanto protesta, Vhils encanta. Na sua primeira incursão pelo Rio, em janeiro, deixou um museu de rostos gravados em paredes da Providência. Na segunda, em abril, fincou o alerta no Tabajaras, na face da comunidade que fica acima do cemitério São João Batista. “Foram uns gringos que fizeram”, conta Dona Neide Bruno, 60 anos, que mora logo acima de uma das casas demolidas por estar em área de risco.

Neide não sabia, mas estava diante da obra de um artista presente em várias partes do mundo — até na distante Moscou ele se faz presente. “O projeto nos dois morros — cravando o rosto dos moradores da própria favela — é um ato simbólico”, diz o artista.

“É importante falar sobre esses acontecimentos (remoções), devem ser discutidos em público. É preciso falar dessa relação dos moradores com esses espaços, pois foram eles que construíram as próprias habitações com as suas próprias mãos.”

No Tabajaras%2C outra intervenção de Vhils%2C em cima do São João BatistaCarlo Wrede / Agência O Dia

Início foi desenhando sobre pilhas de cartazes nas paredes de Lisboa

O acúmulo de cartazes publicitários nas ruas de Lisboa serviu como matéria-prima no início da carreira de Vhils. A técnica (estêncil) consistia em rasgar a pilha de papel e criar desenhos sobre eles. “Ao escavá-los, trouxe à superfície fragmentos da história recente da cidade”, conta ele.

Um dia, decidiu inverter e penetrar nas paredes: “Tive de desenvolver várias experiências com ferramentas até encontrar a fórmula certa. Não foi difícil, e eu gosto muito desse lado experimental, assim como de incorporar o erro no resultado final.”

Errando e mesmo assim acertando, Vhils dá o seu recado: é preciso experimentar, desde que não se mexa com a vida das pessoas. “Primeiro devem vir as necessidades básicas. Depois, sim, pode se investir em ligações turísticas”.

Você pode gostar