Por thiago.antunes

Rio - Malandro é malandro, mané é mané. Mas em tempos de pacificação, malandro de verdade é quem aproveita as oportunidades. Com Maria das Dores do Amaral, por exemplo, foi assim. Desde 2012, ela é uma das estrelas da companhia de teatro das comunidades, que reúne senhoras e senhores da Cidade de Deus, Providência e Santa Marta em torno da arte de representar.

A experiência deu tão certo que em agosto elas encenaram ‘Ópera do Malandro’, de Chico Buarque — que terá nova apresentação no mês que vem. “O teatro salvou a minha vida”, conta Maricota, como é chamada pelas amigas, moradora do Santa Marta.

Como ela, que entrou no hospital há cinco anos sentindo dores nas pernas e acordou sem as duas mãos, Vanda Dias também se reencontrou nas aulas do projeto Sesi/Cidadania. Se antes andava no fio da navalha na Providência, em nome da sobrevivência, hoje faz papel de bandido apenas no palco.

Idosos de três favelas pacificadas montam peça de Chico Buarque Divulgação

“Sempre gostei de teatro, mas faltavam opções na comunidade”, diz. “Aliás, ainda falta. Mas graças a Deus não vejo mais armas pra cima e pra baixo.” As que Vanda vê, hoje, são de brinquedo — e apenas em cena. Interpretando uma prostituta, sonha em reencenar Bibi Ferreira, que aprendeu a amar quando a viu no tablado, ainda criança, levada pela mãe. “A primeira peça que fizemos no grupo foi sobre a história dos moradores da Providência.”

Anísia Damasceno, de 70 anos, não teve a mesma chance de Vanda. Teatro mesmo só viu este ano, quando entrou no grupo, na Cidade de Deus. “Nunca imaginei que iria fazer isso”, conta ela, que vira “mulher da vida” quando entra em cena. “Lá ainda falta muita coisa, uma praça, uma academia”. Vergonha pelo papel? Nunca. Na contabilidade da dona de casa, o importante é ser feliz. “É como um sonho.”

As ‘meninas’ da peça e os cafetões%3A ao fundo%2C de rosa%2C Maria das Dores do Amaral%2C a Maricota%2C vibra Divulgação

Morro e asfalto dividem palco

A experiência de pôr para atuar o pessoal da terceira idade que vive em comunidades pacificadas, tem outra ponta atraente: aceita a participação de moradores ‘do asfalto’ no curso, de segunda a sábado. Bárbara Castro é uma delas. Moradora de Botafogo, sempre viu o Santa Marta com os olhos da elite, até o dia em que seu filho passou a trabalhar na comunidade.

“Conheci o morro através do teatro”, conta a comerciante. “Meu filho entrou num programa social e eu soube do curso”. Para ela, fazer teatro com as meninas da comunidade equivale a uma terapia — que funciona muito bem. “Hoje em dia subir o morro é uma coisa muito gostosa.” Mesma opinião tem o diretor Cícero Raul de Oliveira que, em tom de mistério, fala da próxima atração: homenagear o centenário de Vinícius de Moraes. “Mas ainda é segredo.”

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