Por helio.almeida

O dia 11 de janeiro de 2012 marcou para sempre a vida do casal Silas Ramos dos Santos e Ângela Maria Martins de Lima. Moradores do bairro Vila do Tinguá, em Queimados, eles se preparavam para uma viagem de dois meses pelo litoral do Nordeste. Mas uma brincadeira aparentemente inofensiva mudou seus planos, um dia antes de começar o passeio.

Jovens soltam pipaAgência O Dia

Ângela Maria voltava do mercado quando uma moto passou pela rua e arrastou uma linha chilena, usada para soltar pipas. Ela atingiu o tornozelo esquerdo da professora recém-aposentada, rompendo tendões e nervos.

Ela precisou ser operada por um cirugião especialista em pés. Um ano e seis meses depois, Ângela ainda sofre as consequências daquele acidente. “Faço fisioterapia desde então, mas ainda não recuperei totalmente os movimentos do pé e sinto dores”, lamenta a professora, de 60 anos.

Silas tem 66 anos e também é professor aposentado. Ele resume o que aquela linha chilena significou em suas vidas. “Não mudou apenas nossos planos. Mudou nossa forma de viver”, afirma.

A linha chilena, feita com alumínio e quartzo, tem poder de corte quatro vezes maior que a linha com cerol. Sua venda é proibida, mas quem solta pipa sabe onde encontrá-la.
Wagner Pontes, 32 anos, que faz da pipa seu passatempo, admite usá-la. “Solto pipa com qualquer linha. Não é difícil encontrar. Mas os vendedores deixam a chilena escondida e só vendem para quem já conhecem”, revela.

Quem usa moto também corre riscos. Levantamento da Associação Brasileira de Motociclistas (Abram) apontou 650 acidentes graves no país em 2011. Segundo Lucas Pimentel, presidente da Abram, metade deixou vítimas com sequelas e sérias limitações. “Cinquenta pessoas morreram naquele ano”.

Quem solta pipa também pode estar em perigo e deve ter cuidado. Marlon Ferreira, 23 anos, solta na laje e nunca sofreu acidente, mas conta que um amigo já caiu duas vezes. “Ele quebrou alguns ossos, mas continua soltando pipa na laje até hoje”, diz.

Enquanto muitos brincam com a sorte, Silas e Ângela fazem um apelo para o fim do uso da linha chilena. “Gostaríamos que ninguém mais passasse por isso”, disse ela, que ainda sonha com a viagem pós-aposentadoria.

Jovem prefere linha comum

Morador do bairro Vila Pacaembu, em Queimados, André Luiz de Oliveira conta que julho, por causa das férias escolares, é um dos meses em que mais crescem o número de pipas no céu.

Ele admite ter um carretel de linha chilena, mas garante não usá-lo. “Corta muito as mãos e está guardado. Prefiro usar a linha normal”, diz o jovem de 16 anos, que compra três pipas por dia.

Em Nilópolis, Salvador Bacalhau fabrica 200 mil pipas por ano em sua loja. Ele diz que as vendas crescem em até 90% nesta época do ano. “Vendo cinco mil por semana”, garante.

Pipas deixam 218 mil sem luz em 2013

Quedas de lajes e acidentes com linha chilena e cerol são alguns dos perigos consequentes do hábito de soltar pipas. De acordo com a Light, responsável por fornecer energia elétrica para 11 cidades da Baixada Fluminense, a região apresentou 129 ocorrências de queda de energia por pipas na rede elétrica de janeiro a maio deste ano. A média foi de 25,8 casos por mês. Mais de 218.600 clientes da empresa ficaram sem energia no período.

Nova Iguaçu é a cidade campeã de registros. Foram 38 somente nos cinco primeiros meses de 2013, deixando 59 mil clientes sem eletricidade. São João de Meriti e Belford Roxo aparecem em segundo lugar, com 22 casos. Queimados foi quem registrou menor número de casos no período: apenas nove.

Mas foram suficientes para deixar 30.944 casas e empresas sem luz. Número maior que o de Duque de Caxias (30.645), que teve 17 ocorrências no período.
Em julho, a tendência é que a média de casos na Baixada aumente. Em 2012, o mês registrou 58 ocorrências, deixando mais de 85 mil clientes sem energia.

Além da falta de luz, esta prática pode provocar incêndios e mortes. A Light orienta a população a não interferir na rede elétrica e ressalta que, em caso de ocorrência de pipas enroscados na fiação, a companhia deve ser acionada imediatamente, pelo Disque-Light Emergência (0800 021 0196).

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