Rio - Médio Paraíba, meados do século 19. O polo de produção cafeeiro mais importante do país e um dos maiores do mundo era também o símbolo da cultura escravocrata. Ali, nas cerca de 250 fazendas produtoras, milhares de negros africanos ou afrodescendentes vindos de diversas regiões do país ajudavam a erguer a riqueza dos barões do café.
Somente em Valença, na década de 1860, 70% dos 40 mil habitantes eram escravos. Muitos se refugiaram no Quilombo São José da Serra,um dos maiores do estado. Passado o ciclo do café, hoje o ciclo do turismo abre uma nova janela de oportunidades para os negros da região.
A rica história do Vale do Café, que retrata também uma parte da história da escravidão no Brasil, virou produto turístico altamente valorizado, que pode ser apreciado no feriado de Zumbi dos Palmares, festejado no próximo dia 20. Da Missa Afro, na Catedral de Nossa Senhora da Glória, em Valença, até o sarau histórico e músico-teatral, na Fazenda Florença, em Conservatória, ou as apresentações de jongo, maculelê e capoeira na Fazenda União, em Rio das Flores.

Um dos destaques da programação é a encenação do Sarau da Florença, que revive a figura, possivelmente, do único barão negro da história do país: Francisco Paulo de Almeida, o Barão de Guaraciaba, que foi provedor da Santa Casa de Misericórdia de Valença. “Ações dos empresários do setor de turismo como essas têm contribuído para a discussão do papel do negro na sociedade e mantêm viva a história da nossa região”, diz o professor e historiador Antônio Carlos da Silva, 34 anos.
Ele encarna no sarau o barão negro, que foi ourives, tropeiro e tocava violino. “Francisco Paulo de Almeida foi vizinho do Imperador Pedro II em Petrópolis. Era dono do Palácio Amarelo, hoje sede da Câmara de Vereadores do município. Em Valença, o Barão de Guaraciaba foi um grande benemérito e construiu um asilo para as meninas”, conta.

Para o vigia Alcides Pereira Filho, 53, o Mestre Cid, o turismo abre as portas para que se enxergue esse pedaço da História do Brasil sob uma nova perspectiva. “Ao se investir em turismo nessa região, é impossível falar de casarões e barões, sem falar no negro. Não se leva só a história dos brancos, mas o sangue e o suor dos negros que ajudaram a construir as riquezas da região”, diz ele, orgulhoso de sua origem.
Descendente de escravos libertos, Mestre Cid é um dos fundadores da Associação Afro Angola Congo. Com 25 componentes, nascidos e criados na região, o grupo leva às fazendas, igrejas e escolas apresentações de maculelê, capoeira da Angola, jongo, samba de roda e dança do facão. Um trabalho que já esteve em duas edições do Salão do Turismo de São Paulo e também na Rio + 20.
Sarau e visita a museu dos escravos
Para o dentista e professor aposentado Paulo Roberto dos Santos, 63 anos, proprietário há 17 da Fazenda Florença, a herança da cultura africana mantém presença forte na região, com influência na gastronomia e nos hábitos e costumes locais.
“O sarau reproduz um período do século 19 em que era comum, aos domingos, dia de repouso respeitado pelos senhores, os escravos cantarem seus cânticos e dançarem capoeira e jongo”, conta ele. A encenação em homenagem a Zumbi, prevista para sexta-feira,às 17h, conta com o grupo de jongo formado por funcionários da fazenda, que receberam treinamento teatral.
Já na Fazenda União, em Rio das Flores, haverá festa temática com música ao vivo e um show afro que mostrará os ritmos trazidos pelos escravos africanos ao Brasil, com o grupo comandado por Mestre Cid. No sábado, haverá visita guiada à senzala, que foi transformada em um museu da escravidão. O local possui esculturas em tamanho real que retratam os escravos na sua rotina e painéis representando o dia a dia na senzala e o comércio de escravos.