Por felipe.martins

Rio - Há 2.500 anos, menino ainda, Míope Astigmático o meu nome, acompanhei discussões entre Sócrates e os sofistas. Para construir a cidade justa, a utopia possível, o mestre advertia: a não ser que os amantes da sabedoria e da sensatez se tornem dirigentes, e que as diferentes naturezas que praticam a filosofia e a política as unam, não haverá paz. Governar é remediar males alheios, não pode governar quem os tem a remediar.

Na concepção dos homens, os deuses poriam em suas almas ouro, prata ou ferro. Com ouro em sua natureza, sua alma em sua cabeça, razão e justiça, a sua essência, capaz de conciliar filosofia e política, sem males a remediar, o homem justo e sábio deveria ser obrigado a governar e não poderia contaminar a alma de ouro com a posse do vil metal. Se os guardiões das leis o são apenas em aparência, arruínam a cidade!

Os sofistas defendiam que a vida do injusto era muito melhor que a do justo e que sempre que uma pessoa julgasse poder cometer impunemente uma injustiça a cometeria, como confirmava o Mito de Giges, o mais honesto dos homens: podendo tomar de um cadáver, sem ser percebido, um anel da invisibilidade usou-o para seduzir a rainha, matar o rei e assumir o poder.

Para sofistas, praticar uma injustiça é um bem, sofrê-la é o mal. Os homens censuram a injustiça por medo de serem vítimas dela, não de praticá-la. O injusto deve ser muito hábil, e o justo perfeito é o que comete o grande mal, mas conquista reputação de sabedoria e bondade. Quem se deixa surpreender praticando injustiça não é injusto, é incompetente. A perfeição da justiça é passar por justo sem o ser.

Condenado pela cidade injusta por crimes que não praticou, antes de tomar cicuta, lembro-me: “Impossível suportar, mestre, que te condenaram à morte injustamente”, disse Apolodoro. “Você preferia que eu tivesse sido condenado justamente?” Toda a vida dedicada à verdade, Sócrates tomou o veneno, deitou-se e disse:“Não se esqueçam do galo que devemos a Esculápio.”

A República é a utopia de Platão, a cidade dos homens justos em que Sócrates seria coroado rei.

Ruy Chaves é diretor da Estácio e da Academia do Concurso

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