Rio - A censura aos livros e às obras de arte são sempre abomináveis. Ou seja, censura às obras de qualquer fazimento humano representa o ponto mais crepuscular de nivelamento pelo absurdo. Para trocar em miúdos, o erro substancial está no ato de proibir, de julgar em nome dos outros. Desde que o livro ‘Minha Luta’, de Adolf Hitler, passou a ser de domínio público, o debate sobre a proibição de ele poder ser editado ou não ganhou notoriedade mundial. Cá no Brasil muita gente se manifestou, e vários articulistas opinaram.
Os que se manifestaram contrários, arguiram, com forte dose de razão aparente, que o maligno ideário de Hitler havia provocado o holocausto e deveria ser proibido para sempre. Como lhes subtrair a indignação?
Hitler e seu livro daninho foram condenados por todos os que exercitam um mínimo de afeição à espécie humana. Eu, por exemplo, sofri na carne, porque toda a família judia de meu pai foi sacrificada. Judeus ou não, temos a obrigação de manter presente a memória chacinada de um povo várias vezes milenar e profético.
Agregar-se o dever de abominar o livro ao também dever de dizer não à censura é precisamente a chave da questão. Os dois motivos se completam. Vejam, a censura é o ovo da serpente que acolhe o cala-boca, o não poder pensar. É o estado que alimenta a opressão. A simples proibição contribui para silenciar o que jamais se deve calar. Sobre a censura e o proibir, acode-me a lembrança dos dez anos de combates contra a censura na década de 80, ao lado de representantes da sociedade civil do porte de Pompeu de Sousa (ABI), Daniel Rocha (Sbat), Susana de Morais ou Gustavo Dahl (cinema). Nosso objetivo era sentenciar o famigerado Departamento de Censura às derrotas de todos os atos proibitórios. Sabíamos, contudo, que os que eram vitimados pelo cutelo vil da censura saíam vitoriosos e aclamados.
Isso, exatamente isso, foi a lição exemplar que pude tirar daqueles tempos sombrios: a censura apenas atiça a necessidade de conhecer, de poder ter acesso às ideias do que é proibido. E quando essas ideias já são condenadas como as de ‘Mein Kampf’, mais uma razão para serem lidas. E para reprisar sua danação, sempre. A censura robustece a simpatia possível ao objeto interditado. Ocultar ideias sinistras é fazê-las vicejar e torná-las desejáveis.
Ricardo Cravo Albin é presidente do Inst. Cultural Cravo Albin