Por cadu.bruno

Rio - Não de hoje me queixo do desrespeito com a memória deste país. Um país com tantas pressas (inúteis e devoradoras) e de tanta falta de atenção com o que, de fato, vale a pena. E este inconformismo ocorre faz tempo. Desde que tomei o encargo de desenvolver as coleções iniciais do Museu da Imagem e do Som, em 1965, passei a receber dezenas de pedidos de socorro de colecionadores.

E comprovei o horror que é a pura e simples destruição de acervos, como o abandono de coleções preciosas, em todos as categorias: artes plásticas, discos, papéis, filmes e livros, sobretudo eles, não bastasse hoje a ameaça do e-book. Em relação às pessoas, aos personagens da vida brasileira, a situação não era (e não é) mais amável. O desterro de artistas valiosos, de homens públicos exemplares, e até de heróis possíveis, é abismador.

Desanimador também é o panorama de não conscientização que faceia todos os graus de ensino — elementar, médio e universitário. Eu cursei todos eles, e já no meu tempo de estudante a memória era vista como item ralo, quase burocrático, sem importância.

De lá para cá, creio que este patamar de avaliação para preservar ficou mais frágil. Vez por outra, ouvem-se tímidos muxoxos em defesa do acolhimento de memórias, de objetos ou de pessoas.

Vale registrar um veículo interessante de recuperação de identidade, os documentários. Alguns filmes se vêm debruçando sobre história e personagem de nossa música popular, alterando, de certo modo, o desconhecimento a que eles eram confinados.

Mas cadê os escritores, onde estão os dramaturgos e atores, em que vielas obscuras foram parar os artistas plásticos? Não despertando atenções nem de livros, simpósios, muito menos da eficácia de um registro fílmico.

Agora mesmo, assisti na cinemateca do MAM à première de um filme dedicado ao pintor Glauco Rodrigues, o senhor das cores, o redescobridor das veredas plásticas do povo carioca, o retratista dos grandes brasileiros. O gaúcho Glauco imortalizou os valores cruciais do povo, das coisas, de detalhes brasileiros em num baú tropicalista de provocação. Mas o nosso pintor estava subtraído da memória da contemporaneidade.

Embora deteste o emprego da palavra resgate, pelo abusivo dela, o aparecimento do Glauco em filme de longa-metragem é um “resgate”. Animador e meritório.

Ricardo Cravo Albin é presidente do Instit. Cultural Cravo Albin

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