Rio - Ei-lo: o Partido do Movimento Democrático Brasileiro à frente do Poder Legislativo brasileiro: o Senado (Renan Calheiros) e a Câmara dos Deputados (Eduardo Cunha). Os dois investigados pela Lava Jato!
O PMDB, agora fora do governo, é um partido repartido em tendências. Nele há de tudo, desde o testemunho ético de um Pedro Simon às recorrentes denúncias de corrupção que historicamente pesam sobre alguns de seus líderes. Ele pratica, mais que a democracia, a demoarquia, originária do verbo grego archein, que significa ser o primeiro, estar à frente, no sentido de comandar processos.
Quem diria que o PT seria politicamente atropelado pelo trator do partido dirigido por aqueles que aprenderam a conjugar assim o verbo poder: eu posso, tu podes, ele pode; nós podemos, vós não podeis e eles não podem, a menos que rezem pela nossa cartilha e favoreçam nossos interesses corporativos. É a corporocracia.
Haja o que houver, estamos em mãos do mais despudorado fisiologismo, cujos discursos sobrevoam eloquentemente as práticas do clientelismo e do compadrio. Os governos se sucedem e o PMDB impera. Hay gobierno, soy a favor, grita a ala dos peemedebistas acostumada a mamar nas tetas da máquina pública...
E ao que tanto aspira este partido? Como é possível contracenar com a ditadura e celebrar a democracia? Ora, basta dar a presidência do antigo partido de suposta oposição à ditadura, o MDB, ao presidente da Arena, José Sarney, partido de defesa da ditadura... O PMDB persegue uma só meta, tem uma só ambição: o poder.
Coitado do Doutor Ulysses! Conta Homero, na Odisseia, que Ulisses encontrou, na Ilha das Sereias, curiosas criaturas com cabeças e vozes de mulheres, mas com corpos de pássaros que, com doces canções, atraíam marinheiros ao encontro das rochas. Quando o barco se aproximou, uma calmaria se abateu sobre o mar, e a tripulação utilizou os remos.
De acordo com as instruções de Circe, Ulisses tampou os ouvidos da tripulação com cera, enquanto ele próprio foi amarrado ao mastro, de modo que pudesse ouvir a canção e passar a salvo pelo perigo. Ulisses resistiu, mas quantos, a bordo do transgoverno chamado PMDB, são capazes de tampar os ouvidos ao canto das sereias?
A democracia brasileira espera o dia em que possa reconhecer sua plenitude na inclusão social daqueles que, hoje, se nos apresentam como maltrapilhos e oprimidos.
Frei Betto é autor de ‘A mosca azul — Reflexão sobre o poder’ (Rocco)