Por thiago.antunes

Rio - Morei na Lapa nos anos 70 quando o bairro estava em baixa, entre a época dos malandros de navalha no bolso e a Lapa atual, ponto de encontro dos filhinhos de papai da Zona Sul. Bebericava cuba-libre ( jovem leitor, é coca-cola com rum) nos dancings e cabarés da área. Nunca esquecerei o show do Cauby no Teatro Casa Grande, acompanhado pela big band de Severino Araújo.

Na plateia lotada, todo o café society do Ibrahim, com suas bonecas e deslumbradas. Depois do show voltei para a Lapa, fui tomar a saideira num cabaré, não me lembro qual, só sei que o cara da porta era o Boi (alguém me disse que ainda está lá ). Pelas duas da manhã Cauby adentrou o recinto, sozinho, e cantou para os bêbados e as dançarinas até a casa fechar.

Sentei-me uma vez ao seu lado, num voo da Ponte Aérea para São Paulo. Ficou o tempo todo de olhos fechados. Mas estava acordado e marcava com os dedos o ritmo de alguma canção que evocava na sua cabeça.

Quem sabe, Bastidores, do Chico Buarque, que só ele sabia cantar. Na entrevista que deu para o Pasquim nos anos 70, confessou: “A música é meu alimento, o ar que respiro. Se parar de cantar vou ficar jururu e acabo morrendo”. Resumo da sua ópera, daria um bom epitáfio.

A entrevista foi feita por insistência de Ivan Lessa, seu fã, mesmo depois de ter sido rotulado de cafona porque tinha gravado um disco em espanhol. Sempre que podia ia ouvi-lo no Drink (que tinha comprado, com seus irmãos Araken e Moacyr, do Djalma Ferreira). Cauby afastou-se dos fãs, dos shows e dos holofotes, para se dedicar à boate. Para piorar , o ano era de 64.

O Golpe Militar acabou, entre outras coisas, com a noite carioca. Os habituês das boates Vogue, Hippopótamo’s, Sacha’s, Au Bon Gourmet e outras – políticos, novos ricos, picaretas, artistas – debandaram.

A noite foi esvaziando, era hora de botar as barbas de molho. O Drink ainda aguentou mais quatro anos, fechou em 1968. Mas Cauby deu a volta por cima e, durante anos, sua voz de veludo podia ser ouvida todas as segundas-feiras no bar da Brahma, em São Paulo. Também fazia turnês Brasil afora, acompanhado pelo violonista Ronaldo Rayol (irmão do Agnaldo).

E o documentário ‘Cauby, começaria tudo outra vez’, de Nelson Hoineff, de 2015, foi um sucesso. Revela um segredo (de Polichinelo) que durou décadas: sua homossexualidade. Seu último show foi glorioso: no Teatro Municipal, dividindo o palco com Ângela Maria, parceira e amiga de sempre. Cantou até o fim: não morreu jururu. O Cauby da vez é um cara chamado Safadão, pode uma coisa dessa?

Jaguar é chargista

Você pode gostar