Por karilayn.areias

Rio - Paulo é um dos milhões de desempregados que vivem a cotidiana angústia da procura e da espera. Sai cedo. Banho tomado. Cabelo arrumado. Barba feita. Faz as entrevistas que consegue. Fala com algumas pessoas. Envia currículos. Pesquisa aqui e ali.

Paulo decidiu não ficar parado. Conhece alguns que apenas aguardam que a sorte os empurre para outra oportunidade. Conhece outros que despencam em balcão de bar em busca de uma sensação melhor que os alivie da triste realidade. E outros ainda que vivem a ilusão de que têm os mesmos recursos de outros tempos.

Paulo tem dois filhos. Um tem 9 anos, e o outro acabou de nascer. Sua mulher ainda goza da licença-maternidade. O que ela ganha mal garante o alimento da casa. Paulo nunca foi perdulário. Sempre guardou um dinheiro para a eventualidade de dias difíceis. Os dias difíceis de Paulo foram virando semanas e meses. Os recursos findando. As esperanças lutando contra os tantos nãos que se multiplicaram.

É triste voltar para casa e encontrar o Júnior, seu filho, perguntando: “Então, papai, arrumou alguma coisa?” Como Paulo gostaria de dizer que “sim”. De abraçar o filho com todo o entusiasmo do mundo e dizer “sim” E de sorrir um sorriso demorado. E de brincar de felicidade novamente.

Mas esse dia ainda não chegou.

A mulher o incentiva. Há amor na casa de Paulo e de Valéria.

Júnior está na escola. Paulo conseguiu algum desconto e alguma dilação de prazo de dívidas acumuladas. O filho quer muito continuar na mesma escola.

Foi quando se deu esse diálogo: “Pai, vai ter a viagem da escola para Foz de Iguaçu. Dizem que é muito lindo, pai. Eu quero muito ir. Toda a minha turma vai. Eu quero ir, pai. Por favor. Por favor.”

Foi um dia difícil. Havia uma possibilidade em uma boa indústria que estava contratando. Ele fez mais de uma entrevista. Animou-se. Teve a certeza de que daria certo. Não deu. A resposta veio exatamente no dia em que o filho falava da excursão.
Como seria bom dizer que “sim”. Como seria bom compartilhar a efusividade do filho. “Claro, meu filho. As Cataras do Iguaçu são lindas. Você merece. Você é um filho maravilhoso. Um filho amado.” Não. Não podia dizer isso. Não teria como pagar. Já estava devendo a escola. Já havia vendido o carro. Já comiam com menos fartura. Já reduziram o plano de saúde.

A mãe estava na sala amamentando Leandro, o segundo filho. Ela olhou para o marido. Abaixou a cabeça. Escondeu alguma expressão de tristeza e se concentrou no que estava fazendo. Paulo pediu ao filho que se sentasse mais perto. Deu um sorriso lindo. Disse que faria qualquer coisa para fazê-lo feliz. Que o amava muito. O filho começou a pular de alegria. Pressentia o “sim”. Paulo pediu que ele se acalmasse. E, delicadamente, prosseguiu: “Filho, tenho que ser verdadeiro com você. Você merece essa viagem. Mas eu não tenho dinheiro para pagar. Gostaria de ter. Mas não tenho. Não sei quando vou arrumar outro emprego.” Júnior insistiu um pouco, argumentando que todos os seus colegas iam. O que ele iria dizer para se justificar? O pai prosseguiu: “A verdade, filho, a verdade.”

O filho ficou olhando: “Diga que seu pai perdeu o emprego, que está buscando outro e que, nesses tempos difíceis, não dá para gastar o que não se tem.” Paulo abraçou o filho. Choraram juntos. Paulo não estava chorando apenas pela excursão. Aproveitou para chorar as tantas negativas. Os que o abandonaram. Os ventos amargos das portas que se fecharam.

“Filho, eu tenho uma ideia. Durante os dias em que eles estiverem viajando, vamos ficar mais juntos. Vamos pesquisar histórias bem legais. Sua mãe e eu vamos contar para você. E vamos ter paciência. As coisas vão melhorar. E nós iremos juntos para muitas viagens.” E contou do avô de Júnior. De tempos também difíceis e de como foi importante ter um pai que sempre falou a verdade.

Lembrou-se de outros que buscavam aparentar o que não tinham. De um que dava tudo ao filho, que queria a aparência de riqueza e que acabaram todos sem nada. Na simplicidade, Paulo aprendeu com o pai o que era essencial. E o essencial tentava passar ao filho.

A mãe terminou de amamentar e olhou para os seus homens. Sorriu. Orgulhosa. Feliz pela escolha que teve. As tempestades independem dos marinheiros. Mas bons marinheiros conduzem as embarcações com muito mais segurança. Leandro ainda não entendia o que se passava, mas se entregava em confiança depois do peito generoso. E sorria prenunciando dias bons para aquela família.

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