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As rosas não trollam

Novo vocabulário para velhos hábitos do ser humano: espreitar para se munir, e atacar para se firmar. Todos são inimigos se pertencem ao grupo dos diferentes

Por Ana Cecília Romeu Publicitária e escritora
Publicado 03/05/2018 03:00

O grande Cartola versou de forma brilhante: "as rosas não falam". Ao observar meu pequeno jardim, aprendi com o silêncio das inocentes flores que a natureza nos oferece rosas que não falam, não deletam, não stalkeam, não trollam e ainda convivem bem com seus próprios espinhos.

Trollar, ou seja, incomodar, e stalkear, vigilância exagerada, se incorporaram de forma rápida ao nosso idioma.

Novo vocabulário para velhos hábitos do ser humano: espreitar para se munir, e atacar para se firmar. Todos são inimigos se pertencem ao grupo dos diferentes. E mesmo os que concordam feito cordeirinhos, uma vez que não mitifiquem os deuses formadores de opinião, são colocados na pasta dos "prontos para deletar". Esse é o exercício da inteligência tamanho PP e do ego extra-large.

Umberto Eco disse que as redes sociais deram voz aos imbecis. No que completo: os imbecis sempre tiveram oportunidades na nossa sociedade. O esculacho, a fofoca, a opinião sem conhecimento, e ainda expô-la como verdade absoluta dão popularidade e audiência; mas agora os imbecis dispõem de vitrine com alcance internacional em dois cliques. De pijamas na madrugada podem atrapalhar o descanso de outrem porque não conseguem dormir, o que lhes satisfaz imenso.

A isso chamo de "voz de spam": palavras que enchem nossa caixa de entrada e têm como única serventia afirmar o quanto o ser humano pode ser dispensável.

Enquanto ficamos no ping-pong virtual, os nossos (des)governos nacional e estadual se favorecem ao "despistar o inimigo" que perde tempo na competição dos jogos virtuais; todavia se mantém passivo às ruas, onde sua presença se faz urgente no contexto de rapinagem dos direitos trabalhistas, do parcelamento de salários dos servidores públicos, do aumento abusivo de taxas: daqui a pouco teremos de deixar a chave de nosso automóvel no posto de gasolina para pagar tanque cheio.

As rosas têm o que muitas pessoas nunca alcançarão: o silêncio essencial. Quando o ser humano deveria pensar sete vezes ou mais antes de digitar.

Meu caro Cartola, que o mundo reveja os conceitos e aprenda com suas rosas a empatia presente nos jardins e ausente na sociedade. Simplesmente, "as rosas exalam o perfume que roubam de ti", bem disse você. E seríamos espelho e reflexo de uma natureza infinitamente maior do que nós.