A Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei Dom Manoel, o primeiro documento da história do Brasil, inaugurou o que posteriormente se revelaria a peculiar e controvertida relação dos servidores com o Poder Político (e vice versa): vínculos previdentes norteados pela promissão de servidão e lealdade. A rogativa do perdão ao roubo cometido pelo genro do escrivão, ao seu degredo da ilha de São Tome e terminante retorno a Portugal se fundamentou tão somente na relação estabelecida com a Realeza.
À atitude de Caminha sucederam-se as de vários governadores-gerais, que escreviam cartas ao Rei e às autoridades portuguesas pedindo terras, nomeações a parentes, favores a amigos. Às condutas dos patrícios sucederam-se as dos tupiniquins. Atualmente, uma sorte de más práticas e manobras segue providenciando que a Administração Pública se avigore, cada dia mais, como balcão de negócios, benesses e garantias, alheia ao que lhe deveria ser fundamental: o interesse público.
A troca de favores em todas as instâncias de poder revela, desde a lavratura da certidão de nascimento do país, que as brechas à adoção das exceções como regras traçaram um caminho promíscuo, no qual privilégios e prerrogativas se confundem e dão, lamentavelmente, sentido a quem busca o poder. Corrupção passou a ser o modus operandi de se fazer política no Brasil.
Nomeações de parentes, amigos, apoiadores em cargos obscuros e, muitas vezes, exercendo funções que não têm qualificação para exercer são práticas comuns que violam princípios da moralidade, impessoalidade e economicidade, previstos na Lei Federal que regula todas essas más praticas citadas: as improbidades administrativas.
Ao encontro de tal transgressão, dados do relatório elaborado pela Secretaria de Fiscalização de Pessoal do Tribunal de Contas da União mostram que, só em 2016, a administração pública federal incluindo Executivo, Legislativo e Judiciário federais gastava R$ 3,47 bilhões por mês com funcionários em cargos de confiança e comissionados. O valor representava 35% de toda a folha de pagamento do funcionalismo público na esfera federal, que é de R$ 9,6 bilhões mensais. O documento certificou que havia 1,1 milhão de funcionários em postos de Executivo, Legislativo e Judiciário, dos quais pouco mais de 346 mil trabalham em cargos de confiança e comissionados. Desse total, 8,6% (cerca de 30 mil) estavam filiados a partidos políticos.
É notório, não é fácil avançar institucionalmente, muito menos mudar paradigmas que se arraigaram ao longo de nossa história. Mas é preciso tentar e a fundamental premissa deve ser um choque de profissionalização na gestão pública brasileira. Extinguindo o amadorismo presente em todos os níveis, em áreas sensíveis e estratégicas para o país, reforçaremos o resgate do sentido pleno da função essencial e exclusiva do Estado para os cidadãos.
Aos poucos, a conquista de eficiência, ética e controle reverterá a naturalidade da prática da corrupção e sua impunidade. Será um grande passo à desvinculação do mau legado colonial da política do Beija-mão e à construção, por fim, da nossa história de independência.
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