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Por Saturnino Braga Ex-prefeito do Rio de Janeiro

Vinte e um de Abril de 1960. A maioria da atual população carioca ainda não era nascida. Eu já tinha 30 anos. Acompanhei bem todo esse processo.

Foi uma verdadeira festa nacional. A inauguração de Brasília que, efetivamente, interiorizou e impulsionou o desenvolvimento do Brasil. E constituiu fator decisivo de progresso para mais de metade do território nacional. Marco histórico que eternizou a figura do grande presidente Juscelino Kubitschek.

Para o meu querido Rio de Janeiro, foi o dia da desventura, marco inicial de decadência. Perdeu a sede, a economia, as verbas do poder, os atrativos do poder. Eu vi.

O povo cidadão respondeu bem a tudo isso. Criou uma cidade que mantinha as receitas estaduais e municipais do antigo Distrito Federal, e teve dois governadores sérios e competentes, Carlos Lacerda e Negrão de Lima, que mantiveram as escolas e os hospitais com funcionamento ótimo e ainda fizeram grandes e belas obras, como o Aterro do Flamengo, o Túnel Rebouças , a estação de tratamento do Guandu e o metrô.

Havia, é certo, uma injustiça para com o Estado do Rio antigo, na periferia da Guanabara, onde cresciam verdadeiros favelões de milhões de trabalhadores que tinham seus empregos na capital , geravam receitas para a Guanabara, mas tinham que ser atendidos pelos serviços essenciais por poderes municipais falidos.

Mas, o Rio era o Rio e a periferia que se lixasse. O general Geisel resolveu, ditatorialmente, fazer o que ninguém conseguiria democraticamente. Fundiu os dois estados e transformou o Rio em município capital do novo Estado. Acabou com o que ele achava uma anomalia (eu também): uma cabeça sem corpo e um corpo sem cabeça. Acabou também com a injustiça para com a periferia - eu era do Estado do Rio e aplaudi - mas condenou o Rio à falência - depois fui prefeito do Rio e lamentei.

O primeiro prefeito do município do Rio, nomeado, Marcos Tamoio, botou a boca no trombone, previu a falência futura, teve promessas de ajuda federal que nunca chegaram.

O Rio continuou comandado por Chagas Freitas, que tinha dois jornais populares, derrotou o velho Amaral Peixoto e prosseguiu na prática da velha política manipuladora da bica d'água, sem deixar emergir novas lideranças de competência e seriedade.

Brizola não era do Rio nem tinha maior interesse senão pela Presidência da República, mas fez dois líderes competentes: Marcelo Alencar, que rompeu com ele e faleceu depois, e Cesar Maia, que também brigou e virou a casaca.

Eu fui o primeiro prefeito eleito pelo povo do Rio e tinha tudo para afundar na falência da cidade, mas optei por enfrentar o perigo e fiz uma gestão participativa, de poucos gastos e completamente inovadora, junto com Jó Resende.

Tive secretários competentes na área de Fazenda e Planejamento, Antonio Carlos Moraes, Tito Ryff, Aloísio Teixeira ( ex-reitor, já falecido) e Domênico Mandarino, e consegui administrar a dívida com uma gestão dos conselhos governo-comunidades, que chegaram a alcançar resultados importantes e aprovação muito elevada. Por isso tudo , tinha chances muito grandes de ser o próximo governador.

Este quadro preocupou muito velhos e poderosos inimigos (inimigos mesmo, não adversários), e o ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, recebeu ordens de alguém superior, que não foi o Presidente Sarney, com toda a certeza não foi, e mandou o Banco Central passar um telegrama a todos os bancos do país, sem falar nada com o prefeito, proibindo qualquer financiamento de rolagem de qualquer percentual da dívida do Rio, só do Rio de Janeiro, um procedimento absolutamente inédito porque absurdo, nunca feito em parte nenhuma do mundo, com o propósito explícito de levar o Rio à falência, e desmoralizar o seu prefeito definitivamente.

E o Rio de Janeiro, o meu querido Rio de Janeiro, sem líderes, ficou politicamente entregue aos "garotinhos" , "garotinhas" e "cabrais " que todos conhecem. E desceu a rampa escorregadia da decadência total. Ano a ano. Até o assassinato de Marielle Franco, que ninguém vai desvendar.

Tudo se passou como bem diagnosticou o competente economista Mauro Osório, que há anos estuda com seriedade a economia e a política do Rio.

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