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Por Gabriel Chalita*

Letícia acorda assustada. O filho ainda não chegou. O único filho, Leonardo, teima em desafiar a vida. Letícia olha para relógio. A madrugada ainda descansa. Os barulhos são os da noite. O filho havia dito que voltaria mais cedo. Já faltou muito ao trabalho. Já não conseguira acordar na hora de acordar por seguidas vezes. Já inventara histórias para mascarar a história errática que estava vivendo.

O pai de Leonardo tinha outra família. Há muito desistira do filho. Letícia, não. Jamais desistiria do único filho.

Nos barulhos dos seus pensamentos, Letícia reza. Não sabe mais o que fazer. O filho já vive o tempo das não-autorizações. "Sou dono do meu nariz, ninguém manda em mim", repete algumas vezes.

Letícia sabe da droga. Sabe do vício que mudou para sempre o seu menino. Mas ele insiste: "Não sou viciado, paro a hora que eu quiser, só estou me divertindo". A mãe tenta argumentar. Fala dos tratamentos. Fala da necessidade de recobrar o gosto pelo futuro.

O filho dá de ombros e resmunga alguma coisa.

Letícia quer entender como tudo começou. Quer saber onde errou. Fez de tudo pelo filho. E, um dia, começou a perceber que o caminho estava torto, que as escolhas estavam erradas, que havia uma gaiola que impede o voo necessário de qualquer jovem.

Estudou como pôde sobre o vício, sobre os tipos de drogas, sobre a dependência, sobre as melhores atitudes que uma mãe pode ter para dar a mão certa ao rumo incerto de um filho. A droga entra por uma porta estranha. Basta uma curiosidade. Basta uma vontade de pertencer a algum grupo. Basta uma frustração qualquer. O que parece uma brincadeira se torna uma armadilha. O que se faz rindo, nos inícios, converte-se em choros repetidos. A família toda sofre. Os riscos aumentam. Há traficantes cobrando o preço da tal escolha. Há fugas. Há enlouquecimentos. Há embriaguez dos sentidos. A droga, substância química, dança com a droga, da vida sem vida. Uma dança sem ritmo, sem alegria, sem aplausos no final. Há apenas o cansaço de viver.

Letícia está cansada nessa madrugada. O relógio continua marcando os instantes que parecem paralisados de tão vagarosos. A oração acalma um pouco sua ansiedade. "O filho há de voltar", ela diz conversando com Deus. Pensa em Andrea, sua amiga, que visita o filho preso todo fim de semana. Pensa em Joaquim, filho de uma prima, que morreu de overdose. Espanta o pensamento ruim. Reza novamente.

Lembra do filho dizendo que o pai não o ama. Não quer culpar o ex-marido. Não quer pensar em culpa. Quer apenas tomar um banho. Um banho de milagres. Que leve as impurezas que poluem aquele lar.

Seu filho há de voltar. Para casa. E para vida. Diz isso com tanta fé que consegue um sorriso de si mesma. Há de voltar. Depois disso, adormece.

Acordará em breve com a chegada do filho.

(* Professor e escritor)

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