Por Gabriel Chalita Professor e escritor
Publicado 15/07/2018 03:00

Eram irmãos que estavam em uma fila recebendo alimento. Os dois eram bem pequenos, talvez com uma diferença de dois ou três anos. Não sei muito bem. Um estava com a perna machucada, o menor. O outro, por volta dos 7 anos, estava na fila.

O calor do dia não veio naquele dia. E o frio fazia com que a espera fosse mais incômoda. Voluntários se juntavam na tarefa de alimentar os que alimento não têm. Tudo muito organizado.

A vida nas ruas é dura. Há muitos que julgam sem conhecer. Ninguém opta por deixar o lar e viver nas calçadas. Lembro-me de uma cena de um casal que vivia há pouco tempo na rua. Lembro-me dele dizendo que não aceitava ir para um albergue para passar a noite porque não havia albergue misto, e a ideia de dormir sem sua mulher era inconcebível. "Minha mulher é a mulher mais linda do mundo", disse aquele homem. A mulher ria, tentando esconder a timidez. E, depois de alguma conversa, quando a mulher foi sentar-se na calçada, ele, elegantemente, tirou um lenço do bolso e forrou o chão onde o seu amor iria se sentar. Romantismos difíceis de se encontrar mesmo em casas onde abundam recursos e sofisticações.

Já vi afetos entre moradores de rua e seus animais de estimação. Bem, mas é sobre os dois irmãos que se tem de escrever.

O pequeno, um pouco maior, chegou para pegar o alimento. Cada um tinha direito ao seu. Ele compreendeu e não tentou pegar para dois. Pediu apenas mais um prato para dividir. A senhora olhou e quis saber. Ele mostrou o irmão sentado, com a perna machucada. "É meu irmão", disse com um dizer orgulhoso, com um dizer cuidadoso. A senhora deu o prato e ficou observando. Ele chegou junto ao irmão e dividiu exatamente tudo o que havia no seu prato. A metade do frango. A metade da porção de arroz. Duas batatas para cada um. A metade da salada. O pão que veio junto, também foi dividido.

O irmão menor sorria agradecido. Sentaram-se juntos e começaram a comer. Havia também o suco. Ele se esqueceu de pedir dois copos. Deu para que o irmão tomasse primeiro a metade e, depois, ele tomaria o restante. A senhora, que servia a refeição, olhou comovida a cena. Levou mais comida para os dois. Conversou com eles. Quis entender a razão de estarem ali. Perguntou pelos pais. A história era mais triste do que ela imaginava.

Perderam tudo, mas tinham um ao outro. A senhora que servia, dona Regina, não conseguiu ir embora sem um gesto maior. "Querem dormir essa noite na minha casa?". E eles, timidamente, disseram que não precisava. Ela insistiu. Disse que queria ir com eles às autoridades responsáveis. Que cuidaria deles. Não sabia como ainda. Mas cuidaria deles.

Os dois irmãos ouviam a mulher com os braços abraçados.

Ela ainda teve tempo para perguntar a eles: "Quem os ensinou a dividir?". O pequeno maior olhou para uma estrela no céu e, como se mostrasse a mãe: "Porque é lá que vão os que sabem cuidar", explicou.

Mesmo que muito não tenha sido dito, Dona Regina entendeu.

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