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Por O Dia

Rio - E as aulas recomeçaram.

Os recomeços sempre serviram de algum ânimo para Jerônimo.

A casa não era o melhor dos ambientes. O irmão mais velho, André, cultivador de desonestidades, era um tormento difícil de conviver. Bebia, usava drogas e, se tinha algum propósito, era o de se dar bem na vida, enganando alguém.

Jerônimo lamentava pelas atitudes do irmão, mas tinha medo. O irmão o via como um fracote, ameaçava-o, ridicularizava-o na frente de outros. O pai dos dois os abandonou desde sempre. A mãe, trabalhadora que só, não conseguia endireitar o filho mais velho nem acolher os medos do mais novo. Fazia o que podia para alimentar a casa, e o resto era o cansaço.

Jerônimo, no alto dos seus 9 anos, chorava sozinho a vida dura que levava. Discordava com ele mesmo do que ouvia sobre a infância. Não. Definitivamente, a infância não era um tempo bom. E como demorava para passar! Tempo longo. Um dia, seria adulto, cuidaria da mãe e nunca mais precisaria ver o irmão maldoso.

Era isso que pensava o menino que se preparava para ir à escola. A mochila, presente de uma tia, o irmão tinha levado. Pegou o caderno, do semestre anterior, um pequeno estojo com lápis e caneta e lá se foi para a escola.

O burburinho era bom. Gostava de estudar. Gostava de estar fora de casa. O professor de matemática, Amauri, começou a aula. Disse que gostava de ser professor e que matemática era a melhor matéria que existia. Com sorriso no olhar, olhou para cada um. Jerônimo se sentiu a pessoa mais importante do mundo.

"Qual o seu nome? "

"Jerônimo"

"Que belo nome. Significado sagrado. Meu pai se chama Jerônimo".

"E o seu?" Perguntou, olhando para uma menina.

"Clara".

E um a um, o professor queria saber os nomes e explicar os significados. Jerônimo não sabia que seu nome vinha de sagrado. O irmão tantas vezes o chamou de desgraçado.

A aula foi tendo o seu ritmo e chegando ao fim. Ele queria que não acabasse. Gostou tanto! Na saída, encheu-se de coragem e disse ao professor, "Quero ser professor de matemática, igualzinho ao senhor". Amauri sorriu e pediu um abraço.

No caminho de volta, a tristeza de voltar. O medo do irmão que ficava em um bar ao lado de casa. Ele dava uma volta enorme para não passar perto. O irmão, invariavelmente, ridicularizava-o. Ria alto dele. Dizia coisas desprezíveis. Mas não era momento de pensar nisso. Seria professor de matemática. Seria amigo do professor Amauri. Seria alguém capaz de ensinar, de acolher, de despertar sorrisos de outras pessoas.

Enquanto esses pensamentos preenchiam o menino, o professor também voltava para casa. Os seus dias não estavam sendo fáceis. A mulher, doente, demonstrava sinais de que não iria conseguir se recuperar de mais uma das tantas cirurgias. Os dois filhos, unidos, rezavam pela mãe.

Amauri era um pai e tanto. E um marido capaz de milagres por um alívio de sua mulher. No caminho de casa, o abraço de Jerônimo lhe fazia companhia. Pensamento bom. A lembrança do afeto. Gratidão por ter escolhido ser professor. Na matemática da vida, é preciso compreender o significado da vontade de ser aceito. O resultado é a soma de duas bondades que se encontram. Os que subtraem nunca encontram a paz que multiplica esperanças mesmo nos que sofrem.

Chegando em casa, Jerônimo ou Amauri sabem que amanhã tem mais.

Gabriel Chalita é professor e escritor

 

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