OPINA28SET - ARTE O DIA
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Por Jennifer Marx Médica especialista em crianças e adolescentes de MSF

Rio - A violência sexual deve ser vista como um problema de Saúde Pública independentemente do sexo ou idade da vítima, mas é preciso dedicar mais esforços para combater e prevenir o abuso sexual nos grupos mais vulneráveis. No Brasil, crianças e adolescentes representam 70% das vítimas de violência sexual, e a maioria dos casos ocorre dentro de casa.

Várias organizações humanitárias, entre elas Médicos Sem Fronteiras (MSF), oferecem atendimento de saúde para vítimas de violência sexual em diversas partes do mundo. A ação de MSF se faz presente em locais com altas taxas de violência de gênero e de violência sexual. Apesar de os contextos sociodemográficos de cada país variarem, o padrão parece ser semelhante: o sexo predominante das vítimas é o feminino, o grupo etário mais afetado são adolescentes e os agressores, em sua maioria, possuem algum vínculo com as vítimas.

A maioria dos modelos de atenção integral oferecem assistência médica, legal e apoio psicossocial. Um dos maiores desafios é conscientizar a população sobre a importância de denunciar o ato de violência, e que este seja visto como uma emergência médica. Por este motivo, muitos esforços estão focados na diminuição das barreiras, como a vergonha e o medo, para conseguir que as vítimas procurem os serviços médicos dentro das primeiras 72 horas, fator chave para reduzir o risco de gravidez indesejada e doenças sexualmente transmissíveis.

Apesar de esta abordagem ter resultados positivos, ela não é efetiva quando as vítimas são crianças ou adolescentes incapazes de entender o abuso a que foram submetidos ou, pior ainda, que não consideram algumas situações vividas como abuso devido à ignorância sobre temas que afetam sua sexualidade. Uma análise da Unicef demonstrou que entre as adolescentes de 15 a 19 anos que em alguma ocasião já tinham sido vítimas de violência física ou sexual, quase sete em cada dez nunca pediram ajuda. Embora os motivos variem, muitas meninas disseram não se dar conta de que sofriam alguma forma de violência e que não achavam que o abuso fosse um problema. No caso dos meninos, a falta de notificação é um problema ainda maior.

As vítimas merecem ter acesso a um tratamento médico e psicológico adequado, mas é necessário não só melhorar a qualidade do atendimento para reduzir as consequências dos abusos, mas também trabalhar mais na prevenção. Erradicar a violência sexual não é uma tarefa fácil, já que são necessárias mudanças de comportamento, assim como aprimoramentos dos sistemas educativo e jurídico. Mas uma ação preventiva importante é permitir e apoiar o acesso de crianças e adolescentes à educação sexual, de acordo com sua faixa etária. Alguns acreditam, de maneira equivocada, que falar de sexualidade desde cedo estimula a atividade sexual precoce, mas já foi comprovado muitas vezes que a educação sexual, dentro ou fora da escola, não incrementa a atividade sexual, os comportamentos sexuais de risco nem as infecções por doenças sexualmente transmissíveis.

Uma educação sexual integral não só contribui para adquirir um maior conhecimento a respeito do funcionamento do corpo e para melhorar a autoconfiança, mas também pode gerar resultados mais amplos, como atitudes de igualdade de gênero e empoderamento ao incluir no debate temas como consentimento, direito sobre o corpo e normas socioculturais. Depender apenas da educação sexual oferecida nas escolas não é suficiente. Deveríamos ser capazes de falar sobre esses assuntos em casa, para evitar que este tipo de violência fique escondida ou seja banalizada.

Prevenir a violência sexual é responsabilidade de todos.

Jennifer Marx é médica especialista em crianças e adolescentes de MSF

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