Rio - A tuberculose é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma emergência sanitária global desde 1993, e a atenção que a doença vem recebendo conseguiu reduzir o número de novos casos e mortes. Mas, enquanto nestes 25 anos tem havido uma queda nos números gerais da doença, há um aumento preocupante de casos entre os mais pobres, com crescimento na apresentação de formas graves e expansão da chamada tuberculose multidroga-resistentes (TB-MDR).
Mesmo com a queda de casos, os números continuam impressionantes. Ela é a doença infecciosa que mais mata no mundo, e a OMS estima que atinja nada menos que um terço da população mundial. Em 2016 foram contabilizados 10,4 milhões de novos casos de TB em todo o mundo, com cerca de 1,4 milhão de mortes.
No Brasil, apesar dos esforços, do tratamento universal e gratuito no Sistema Único de Saúde e de toda a atenção sanitária, ainda temos cerca de 70 mil casos e 4.500 mortes anuais.
No caso da TB-MDR, a estimativa é de que tenham ocorrido em todo o mundo 480 mil casos em 2016. Infelizmente, apenas 20% de todos os pacientes com indicação para tratamento da TB-MDR iniciaram efetivamente o tratamento da doença.
A tuberculose resistente a medicamentos é uma variante muito mais perigosa e de tratamento mais difícil. Pode aparecer quando um doente não faz um tratamento corretamente ou não o completa, "selecionando" bactérias resistentes. Uma pessoa pode também ser infectada por bactérias resistentes sem nunca ter tido a doença antes.
O tratamento para TB-MDR atualmente pode chegar a dois anos, tem fortes efeitos adversos e muitos o abandonam simplesmente porque não aguentam. Mas, felizmente, há uma boa notícia. Mês passado, a OMS passou a recomendar oficialmente esquemas de tratamento mais curtos, modernos, toleráveis e com menos efeitos indesejáveis. Para a organização Médicos Sem Fronteiras, envolvida no cuidado de pessoas com TB há mais de 30 anos, a notícia é motivo de comemoração.
Além de liderar parte de estudos para conseguir tratamentos mais eficazes, MSF luta para que a indústria farmacêutica invista em pesquisas para doenças negligenciadas e libere países pobres da imposição de patentes para produção de medicamentos. Um bom exemplo é o caso da bedaquilina, uma das únicas novas opções terapêuticas contra a tuberculose resistente. O medicamento é propriedade da Johnson & Johnson, que detêm sua patente e produção exclusiva até 2023.
MSF defende o acesso universal aos medicamentos como ferramenta fundamental para o combate à tuberculose. Diante da alta carga desta doença em alguns países, o tratamento é impraticável sem o uso de genéricos.
A TB é, acima de tudo, uma doença de pobres. Vencê-la só será possível, portanto, com tratamentos eficientes, mas também extremamente acessíveis e combinados com uma melhoria das condições de vida da população. Atualmente, mais de 95% de todos os casos atingem países com recursos limitados e comunidades menos favorecidas. Por isso, pensar no controle da TB sem a melhoria e manutenção de indicadores sociais nas populações menos favorecidas é incoerente e inviável.
O enfrentamento da doença depende de avanços globais na prevenção e cuidados aos pacientes em todos os países de alta carga de TB, entre eles o Brasil, que tem o controle da doença como agenda prioritária do Ministério da Saúde. A meta definida pela OMS para o Brasil é uma incidência de menos de 10 casos por 100 mil habitantes. Hoje, está em torno de 35 casos por 100 mil, o que evidencia que temos um imenso trabalho pela frente.
Rafael Sacramento é médico infectologista de MSF
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