- Arte: Francisco Silva / O Dia
Arte: Francisco Silva / O Dia
Por André Luis Mansur Baptista Jornalista e escritor

Rio - Foi na década de 1980, mais precisamente em 1984, que vim a conhecer o bairro de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Morava em Marechal Hermes, no subúrbio, e meus tios, que também eram de Marechal, tinham se mudado para Campo Grande no ano anterior com os quatro filhos. Meu tio João trabalhava na Ótica Popular, que ficava na rua Augusto Vasconcelos, ao lado do Cine Palácio, com quase 2 mil lugares, considerado o maior, ou um dos maiores, cinemas do Rio de Janeiro. Tanto a ótica quanto o cinema não mais existem, pois o prédio foi adquirido, no início dos anos 90, por uma igreja evangélica, que no entanto não pode fazer mudanças estruturais no imóvel, tombado pelo município.

Naquela primeira vinda ao bairro andei por ruas completamente diferentes do que são hoje, 34 anos depois, em que temos engarrafamentos constantes, tal o incremento populacional e da rede de comércio e serviços que Campo Grande adquiriu nessas três décadas e meia. Na localidade de Santa Rita, onde fica a casa dos meus tios, que tem esse nome devido à igreja de mesmo nome, todas as ruas, incluindo a deles, a Alto Parnaíba, eram, como se dizia, "de barro", sem a urbanização que só viria em 1991, na gestão do prefeito Marcelo Alencar.

De frente para a casa fica a cadeia de montanhas da Pedra Branca, com a serra do Rio da Prata em destaque. Campo Grande, naquela época, ainda respirava muitos traços da vida rural, com vários agricultores passando com enxada na mão, carroças por todos os lados, bois e cavalos, o que contrastava com Marechal Hermes, um bairro que já nasceu urbanizado, em 1913.

Outra diferença marcante é que nem todos os rádios pegavam e os canais de TV só eram sintonizados em UHF.

Campo Grande passou a ser, então, uma espécie de "casa de campo", onde, mal chegava, já era convocado para as peladas na rua, para as festas juninas que praticamente desapareceram, as festas na Igreja de Santa Rita e os shows de rock no Estádio Ítalo del Cima.

Pude constatar, também, as diferenças entre dois bairros que, embora distantes apenas de 30 a 40 minutos de trem, tinham, e ainda têm, características bem diversas. Um exemplo é a relação com o Centro do Rio, que em Marechal Hermes é bem mais próxima. Várias vezes vi gente falando "vou ali no Centro e volto no início da tarde", frase impossível de ser dita em Campo Grande, já que a ida ao Centro, para os moradores deste bairro, é uma autêntica viagem, com todos os cálculos logísticos possíveis. Aliás, tanto em Marechal como em Campo Grande, não se diz "vou ao Centro" e sim "vou à cidade". Até hoje é assim.

Quando me mudei para o bairro, em 1990, resolvi seguir o caminho dos pioneiros, que atravessavam a Estrada Real de Santa Cruz, ligando a Quinta da Boa Vista à sede da antiga Fazenda de Santa Cruz e cujo traçado ainda existe, com pequenas alterações. A diferença é que não peguei a diligência que o príncipe-regente D. João e seu séquito utilizavam para chegar a Santa Cruz, nem os carros de boi dos jesuítas, mas sim uma brava Monark Monareta sem marchas que chegou inteira ao meu novo bairro, apenas um pouco empoeirada.

André Luis Mansur Baptista é jornalista e escritor

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